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Família portuguesa no Luxemburgo acolhe avó, mãe e filha que fugiram da guerra na Ucrânia

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Família portuguesa no Luxemburgo acolhe avó, mãe e filha que fugiram da guerra na Ucrânia

Família portuguesa no Luxemburgo acolhe avó, mãe e filha que fugiram da guerra na Ucrânia
Reportagem

Família portuguesa no Luxemburgo acolhe avó, mãe e filha que fugiram da guerra na Ucrânia


por Tiago RODRIGUES/ 02.03.2022

Liliana Madeira Grigor e Ioan Grigor vão receber uma família de três mulheres ucranianas que fugiram da guerra na sua casa, em Rumelange.Foto: António Pires

Uma família luso-romena no Luxemburgo voluntariou-se para acolher três mulheres que fugiram da Ucrânia. Avó, mãe e filha escaparam da guerra e percorreram mais de mil quilómetros até à fronteira polaca, a pé e de transportes. Já estão a caminho da nova casa.

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Uma nova esperança
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Na manhã da passada quinta-feira, quando Liliana Madeira Grigor e Ioan Grigor viram as notícias sobre a invasão russa à Ucrânia e as imagens de milhares de pessoas a tentar fugir do país, concordaram de imediato que iriam fazer algo para ajudar. Ela é portuguesa, 31 anos, e ele é romeno, 34. Conheceram-se em Portugal e foi lá que casaram e tiveram os primeiros dois filhos. 

Em 2017 mudaram-se de Santarém para o Luxemburgo, com um menino de três anos e uma menina de um ano. A terceira filha já nasceu no Grão-Ducado. Hoje, esta família luso-romena de cinco vive em Rumelange. E está prestes a receber na sua casa três novos membros.

Esta vontade súbita de querer fazer algo pelas pessoas afetadas pela guerra na Ucrânia "surgiu um pouco por causa da parte romena da família", explicou Liliana. "O Ioan nasceu muito perto da fronteira com a Ucrânia e existe um grupo da terra dele, em Maramureș, com pessoas que estão constantemente a ajudar e a receber os refugiados na fronteira, a ir buscá-los e a oferecer estadia. Está toda a gente mobilizada para ajudar". O casal começou imediatamente à procura de meios para poder participar no apoio aos refugiados.

Na sexta-feira, encontraram um grupo no Facebook com o nome "Host families for refugees of war in Ukraine/Luxembourg" ("Famílias de acolhimento para refugiados de guerra", em português), que tinha sido criado no dia anterior. "Quando vimos que havia um grupo no Luxemburgo, pensamos que se eles vão conseguir chegar cá, então também vamos ajudar", recordou a portuguesa. 

Liliana fez uma publicação no grupo a informar que a sua família podia acolher quatro ou cinco pessoas. Umas horas depois, Elena Laigle, uma mulher ucraniana que vive no Luxemburgo, fez um apelo para pedir abrigo para uma família de uma amiga que estava a tentar fugir do país. Liliana foi a primeira a comentar a dizer que podia hospedá-las.

Elas estavam em pânico. Saíram a pé de casa. Iam demorar cerca de três a quatro dias para chegar à fronteira. Fiquei a pensar como é que elas iam fazer aquilo tudo a pé.

Liliana Madeira Grigor

São três mulheres, uma de 52 anos, a filha, de 29, e a neta, de cinco. Quando souberam dos bombardeamentos, na última quinta-feira, decidiram fugir da sua cidade, Zaporizhzhya, no sudeste da Ucrânia, em direção à fronteira polaca. "A Elena disse-nos que elas estavam em pânico. Saíram a pé de casa. Iam demorar cerca de três a quatro dias para chegar à fronteira. Fiquei a pensar como é que elas iam fazer aquilo tudo a pé", contou Liliana. De Zaporizhzhya até Dołhobyczów-Kolonia, na fronteira da Polónia, são mais de mil quilómetros. Para trás ficaram o irmão da mulher de 29 anos, que tem 20, e o pai. Para lutar.

Elena, 48 anos, é amiga da família de refugiadas, mas não tem condições para as acolher na sua casa em Wiltz. Então perguntou-lhes se queriam ficar na casa de uma outra família no Luxemburgo e elas aceitaram. "Comecei a procurar informação nas redes sociais e escrevi primeiro num grupo ucraniano no Facebook e depois recebi a ligação para outro grupo, que era organizado aqui. Uma mulher deu-me alguns conselhos sobre como podia ajudar. Depois recebemos a resposta da família da Liliana", recordou a ucraniana. No sábado, Liliana e Ioan tiveram a confirmação de que iriam receber as três refugiadas.

Logo a seguir ao comentário de Liliana na publicação a apelar a ajuda para esta família, um homem chamado Gavin escreveu que podia ir buscá-las à fronteira na Polónia. "Tenho uma amiga que é ucraniana e perguntei-lhe o que podia fazer para ajudar. Ela disse que havia este grupo no Facebook e eu ofereci-me para ir buscar pessoas à fronteira", disse o inglês, 43 anos, que emigrou de Norwich, no Reino Unido, para o Luxemburgo. Gavin partiu de Ettelbruck no domingo de manhã, pelas 10 horas, para chegar à Polónia na segunda-feira ao fim do dia. Tinha combinado encontrar-se com as três mulheres na terça-feira de manhã, pelas 9 horas.

Para organizar toda a logística de transporte e de alojamento para a família ucraniana, Elena criou um grupo de conversação com Liliana, Ioan, Gavin e as mulheres. "Falamos todos pelo Viber, porque através dessa aplicação elas têm logo a tradução automática do que nós escrevemos. Elas não falam inglês, só ucraniano. Fomos partilhando informação e fizemos algumas perguntas. A Elena fala ucraniano e inglês, então vai ajudando na comunicação", revelou a portuguesa. Quando elas chegarem à casa da família Grigor, logo se vê: "Vamos improvisar, usar o tradutor, comunicamos por gestos. Quando chegamos aqui também não falávamos francês".

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O início de uma nova vida
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Foto: António Pires

Quando Liliana e Ioan emigraram para o Luxemburgo, há cerca de cinco anos, traziam "pouco mais do que um cobertor e algumas roupas". "Também recebemos muita ajuda", lembrou a mulher. "Um primo do meu marido conseguiu alugar uma casa para nós na fronteira francesa, em Longuyon, mas não tinha nada lá dentro. Não tínhamos trabalho, nem falávamos as línguas".

Em Portugal, Liliana fazia análises microbiológicas, mas o diploma não foi reconhecido no novo país. Acabou por arranjar trabalho num café português. Ioan foi para as obras, a operar as gruas. Fizeram cursos pela Adem, a agência de emprego no Grão-Ducado, e finalmente conseguiram mudar de vida. Ela é agora programadora informática e ele decidiu abrir atividade independente de comércio de produtos da Roménia.

O casal sabe bem como pode ser difícil mudar de país e começar uma nova vida. E sabe também como é alojar outras pessoas e ter a casa cheia. No ano passado, receberam uma família de amigos romenos, um casal e os três filhos, que ficaram a viver com eles durante seis meses. "Vivemos aqui dez pessoas e não houve problema nenhum", garantiu Ioan. Um amigo mudou-se sozinho para o Luxemburgo, mas não tinha contrato sem termo e não conseguia alugar uma casa para trazer a família. "Nós oferecemos ajuda para eles ficarem cá todos, enquanto a mulher dele procurava emprego", explicou.

Liliana e Ioan compraram a sua casa em Rumelange no ano passado e mudaram-se para lá em abril. "Praticamente 15 dias antes deles chegarem", revelou a portuguesa. "Os pais ficaram num dos quartos e as crianças dormiram na sala". Viveram assim os dez, naquela casa, entre abril e novembro. "Foi assim que surgiu esta ideia [de receber refugiados]. Temos um escritório e vamos tirar de lá as secretárias e por uma cama e um armário para elas", afirmou Ioan. Quando as três mulheres ucranianas chegarem, em princípio na quinta-feira, o casal conta já ter tudo preparado.

Liliana e Ioan com os três filhos na terra natal dele, em Maramureș, na Roménia.
Liliana e Ioan com os três filhos na terra natal dele, em Maramureș, na Roménia.
Foto: DR

A ideia é que Elena esteja também presente no primeiro dia, para ajudar na comunicação e para lhes dar a conhecer a realidade do novo país. "Tem que ser alguém que elas conheçam, também para terem mais confiança. O mais importante é elas terem uma vida segura e estar num local seguro", assegurou o romeno, que também tem familiares no Grão-Ducado que conhecem outras pessoas ucranianas e que podem ajudar com a tradução da língua.

Também temos uma filha de cinco anos, da mesma idade da menina que vem, dissemos-lhe que vem uma amiga nova e um gato. Eles ficaram todos contentes.

Ioan Grigor

Por já terem recebido uma família na sua casa antes, o casal acredita que está "mais consciente do que isso implica", mas acaba por ser uma "situação completamente diferente". "A família romena que veio de Portugal vinha contente para começar uma nova vida e elas vêm de uma situação totalmente oposta", reconheceu Liliana.

Os filhos do casal - um menino, de oito anos, e duas meninas, de cinco e três anos - "reagiram bem" à notícia da nova família que vai ficar lá em casa. "Também temos uma filha de cinco anos, da mesma idade da menina que vem, dissemos-lhe que vem uma amiga nova e um gato. Eles ficaram todos contentes", afirmou Ioan. "Eles também têm visto um pouco das notícias da guerra e comentam", acrescentou a mulher. 

A casa tem 140 metros quadrados e três andares. No terceiro andar estão os quartos. "Pensamos mudar a nossa filha mais pequena para o quarto do menino e deixar as duas meninas de cinco anos juntas no outro quarto, se elas quiserem. Talvez até aprenda ucraniano (risos). Vão ter de comunicar de alguma maneira", brincou Ioan.

Lá em casa a família fala sobretudo português e romeno. Também falam um pouco de francês e as crianças já aprenderam alemão e luxemburguês. "Se calhar com elas vamos tentar falar mais em francês, porque é mais útil aqui no Luxemburgo", assumiu o casal. As duas mulheres ucranianas mais velhas, a mãe e a filha de 52 e 29 anos, vão ficar no rés-do-chão, no escritório que vai ser adaptado para um quarto. "A parte de baixo fica só para elas, o segundo andar é para nós, e o andar do meio é a parte comum, com sala e cozinha. Assim temos todos um pouco mais de privacidade", explicou Liliana.

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Uma odisseia de 2600 quilómetros
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Foto: DR

Agora o mais importante é "cuidar da família" e arranjar "alguma coisa para se organizarem", disse o casal. "Não sabemos como isso vai acontecer, temos de nos informar, ir à Comuna e à polícia. Para saber o que fazer e tentar meter a menina na escola". A mulher de 29 anos da Ucrânia tem um mestrado em Informática, a mesma área em que trabalha Liliana. "É uma coincidência, porque eu sou programadora, então talvez consiga ajudá-la a entrar nesse mercado aqui no Luxemburgo, se ela souber um pouco de inglês. Ou até conseguir arranjar alguma empresa ucraniana", afirmou a portuguesa.

Ioan diz ter a certeza que vão conseguir integrá-las o mais rápido possível. "Ficarem paradas não é bom para elas. Têm de ficar distraídas, porque deixaram lá o pai e o irmão na guerra", lembrou o romeno.

O percurso que as mulheres fizeram desde Zaporizhzhya até à fronteira polaca durou cerca de quatro dias. "Elas saíram da cidade a pé, mas depois conseguiram apanhar um comboio. Disseram que já tinham os sapatos todos rotos, que estava muito frio, a nevar, que já não aguentavam mais, que estavam à espera que as roupas secassem", contou Liliana. As refugiadas chegaram a Dołhobyczów-Kolonia na terça-feira de manhã, depois de conseguiram uma boleia. Fizeram mais de mil quilómetros durante quatro dias de viagem.

No lado polaco da fronteira, já estava Gavin à sua espera. O inglês tinha acabado de fazer dois dias de viagem desde o Luxemburgo, com o seu Volkswagen Golf de cinco lugares. Foram mais de 1500 quilómetros, durante mais de 16 horas de viagem. Partiu no domingo de manhã e conduziu cerca de nove horas através da Alemanha até chegar à cidade polaca de Łagów, onde passou a noite.

Na segunda-feira, atravessou toda a Polónia, durante mais de sete horas, até chegar a Oseredek, uma pequena vila perto da fronteira com a Ucrânia. "Domingo conduzi cerca de 800 quilómetros e na segunda mais 700. Em cada um dos dois dias fiz cerca de 10 horas na estrada, com paragens. Pelo caminho encontrei outro motorista do Luxemburgo, que levava mantimentos para a fronteira e também ia buscar pessoas. Cumprimentamo-nos e desejamos boa sorte um ao outro", contou Gavin.

Na terça-feira de manhã, o inglês deixou o pequeno alojamento em Oseredek para conduzir durante cerca de uma hora até à fronteira em Dołhobyczów-Kolonia, a cerca de 75 quilómetros, onde tinha combinado encontrar-se com a família de refugiadas.

A menina está absolutamente cheia de vida e com um grande sorriso. Ela deu-me um enorme abraço quando nos conhecemos e sorriu. Ela fala muito comigo. Não compreendo nada, mas é encantador.

Gavin

Tinham trocado fotos no grupo do Viber para se reconhecerem. "Recebi uma mensagem às 7h25 a dizer que elas já tinham atravessado a fronteira. Estava muito frio. Havia lá tendas e tentei encontrá-las, mas não as consegui ver. Enviei uma mensagem no grupo para dizer onde me encontrava. Estava gelado e voltei para o carro, mas menos de um minuto depois elas encontraram-me. Alguém as ajudou a carregar os seus pertences. Depois levei-as de volta para o alojamento onde eu estava", relatou Gavin.

A viagem de regresso ao alojamento em Oseredek demorou mais de uma hora e as três mulheres adormeceram no carro. "Uma delas fala um pouco de inglês, mas estamos a utilizar o Google Translate e o grupo do Viber. Elas trazem alguns sacos e o gato. Estavam a usar casacos compridos e chapéus quentes", descreveu. "A menina está absolutamente cheia de vida e com um grande sorriso. Ela deu-me um enorme abraço quando nos conhecemos e sorriu. Ela fala muito comigo. Não compreendo nada, mas é encantador", contou o inglês.

O dia de terça-feira foi para descansar, comer, tomar banho e recuperar. "Estavam arrasadas e passaram o dia a dormir". Retomaram a viagem esta quarta-feira de manhã, de volta a Łagów, na outra ponta da Polónia. "Conheço o hotel e sei que permite animais de estimação", explicou Gavin. Na quinta-feira partem para o Luxemburgo, para deixar a família na casa dos Grigor, em Rumelange. "Provavelmente, chegaremos lá na quinta-feira à noite", estimou o condutor. Quando chegarem, as três refugiadas terão percorrido mais de 2600 quilómetros que separam a sua cidade, Zaporizhzhya, e o Grão-Ducado. Durante seis dias.

Infografia: Carlos Monteiro

Enquanto aguardam a chegada das novas inquilinas, Liliana e Ioan vão tratando de todos os preparativos para as receber da melhor forma. "Perguntei à Elena se elas estão a precisar de alguma coisa em especial, como medicamentos, se têm alergias, se comem tudo, para poder preparar as refeições. Então ela mandou-me uma lista do que é que elas precisam, coisas essenciais, como pasta de dentes, chá, etc. Estes dias estamos a tratar das coisas, a preparar o quarto, a fazer as compras", revelou a portuguesa.

O casal pensou noutras iniciativas para ajudar, mas "como surgiu esta possibilidade de um dia para o outro", decidiu concentrar-se nesta situação. "Quando elas chegarem e depois de descansarem, vemos o que mais é preciso. Depois vamos com elas às compras, ver se precisam de roupas. Vou falar com as minhas primas aqui para elas ajudarem também. Nós trabalhamos em casa, então estamos sempre por aqui", explicou Ioan. 

"Depois, vamos ajudando. Mas a guerra pode acabar nas próximas semanas e elas até podem voltar para lá. Era o melhor para elas e para todos os ucranianos. Se isso não acontecer, vamos tentar ajudá-las a integrar-se aqui no Luxemburgo. Depois será a decisão delas. O importante agora é saberem que têm uma cama e comida", assegurou.

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Como ajudar os refugiados
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O casal tem acompanhado toda a situação na Ucrânia com um "sentimento de pena, porque morrem pessoas sem culpa nenhuma". "Sofrem crianças, mulheres, toda a gente… Já não devia haver guerra. Nem na Ucrânia, nem em nenhum outro lugar do mundo. Isto não resolve nada e não é bom para ninguém", lamentou o romeno, que acredita que, por causa de Putin, "infelizmente esta pode vir a ser uma guerra ainda maior".

Liliana também acredita que, neste momento, "tudo pode acontecer". "Putin é capaz de qualquer coisa. Só depende dele. Acho que as sanções da União Europeia à Rússia são fortes, mas não sei até que ponto ele vai continuar com isto", afirmou.

Um Estado independente foi atacado. Isto é muito grave. Ninguém atacou a Rússia. Na Ucrânia as pessoas estavam a viver a sua vida normalmente e a Rússia foi para lá bombardear aquilo.

Ioan Grigor

A ONU estimou que nos últimos dias mais de 660 mil pessoas fugiram da Ucrânia para países vizinhos, na sequência da invasão russa. "Infelizmente há muitos refugiados e se calhar vão haver cada vez mais. Se não parar a guerra, vai ser mesmo complicado", alertou Ioan, dizendo que a única solução é "pararem de matar pessoas". 

"Um Estado independente foi atacado. Isto é muito grave. Ninguém atacou a Rússia. Na Ucrânia as pessoas estavam a viver a sua vida normalmente e a Rússia foi para lá bombardear aquilo. Estão a perder todos. Devem sentar-se e conversar. Não há necessidade de estarem a morrer pessoas", comentou o romeno.

Ioan confessa que ficou "muito surpreendido" com os ucranianos, "porque estão a defender o território deles com tanta vontade e garra". Por isso, ele acredita que "vai acontecer aquilo que o povo ucraniano quiser". "Se eles querem mesmo e sonham que o país seja deles, aquilo vai ser deles. O Putin pode ter todas as bombas nucleares, mas a Ucrânia não vai desaparecer. Na nossa casa mais ninguém pode mandar. Não vai mandar o vizinho, que nós sabemos o que é melhor para nós. Temos de defender aquilo que é nosso", exclamou.

Sobre a possibilidade de a Ucrânia tornar-se membro da União Europeia, Ioan considera que talvez o melhor para o país seja "manter-se neutro", porque juntar-se à UE "pode ter mais consequências". "A Ucrânia tem de ficar bem com a Rússia e com a NATO e a UE. Tem que se dar bem com todos, porque está ali numa zona 'tampão'. Assim como estava até agora era perfeito", admitiu. 

O romeno tem esperança de que a Ucrânia vai ganhar a guerra e acredita que "quem quer mesmo uma coisa consegue obter o que deseja". "Os ucranianos querem ficar com a Ucrânia deles. Depois de acabar a guerra, a Ucrânia deve aproveitar para ficar bem com todos, com a Europa e com a Rússia. Devem lutar pelo bem da Ucrânia".

Como Ioan e Liliana, muitas outras pessoas no Luxemburgo têm estado a voluntariar-se para ajudar. Rimma Sushko, 37 anos, é ucraniana e vive no Grão-Ducado desde 2010. É membro das associações LUkraine ASBL e Ukraïnka, que têm estado muito ativas no apoio às pessoas afetadas pela guerra. "Estamos a tentar dar ajuda humanitária, aceitar refugiados no Luxemburgo e entregar bens na fronteira na Polónia/Ucrânia, sobretudo produtos de higiene, medicamentos, comida. Já não aceitamos roupas quentes, porque já temos suficientes", explicou.

Temos recebido muito feedback, todo o apoio que nos têm dado deixa-nos em lágrimas. As pessoas percebem que podem ser as próximas.

Rimma Sushko

As associações também estão a angariar dinheiro e a pedir ajuda para comprar materiais de proteção de guerra, como capacetes e coletes à prova de bala, que são difíceis de encontrar. "Também pedimos ajuda de pessoas para ir buscar os refugiados à fronteira, para depois serem recebidos por famílias no Luxemburgo", disse Rimma.

Através do site destas associações e das respetivas páginas do Facebook, as pessoas podem encontrar várias informações sobre como ajudar os refugiados e linhas de apoio. "Temos recebido muito feedback, todo o apoio que nos têm dado deixa-nos em lágrimas. As pessoas percebem que podem ser as próximas. Estamos muito agradecidos com todas as comunidades que têm ajudado, seja no Luxemburgo, em França, Portugal. Recebo centenas de mensagens por dia de pessoas que querem ajudar. A nossa equipa está a trabalhar 24 horas por dia", afirmou a ucraniana.

Rimma revela que já há pessoas na fronteira para ajudar os refugiados e que até já receberam uma família no Luxemburgo. "Estamos à espera de mais esta semana. A maioria são mulheres e crianças". A ucraniana diz que outra forma de as pessoas poderem ajudar é a participar nas manifestações, "porque é assim que as pessoas em todo o mundo sabem o que está a acontecer". "Estamos a planear outra manifestação esta quarta-feira. Quantas mais pessoas vierem, melhor", apelou.

Infelizmente muitas vezes deixamo-nos tocar mais por ser algo próximo de nós e não olhamos com o mesmo sentimento para outros países que também são atacados, como a Síria.

Liliana Madeira Grigor

Sobre as famílias que vão chegando ao Grão-Ducado, Rimma diz que primeiro "vão ficar alojadas, em segurança, e depois vão ser contactadas pelas associações de refugiados". A mulher de 37 anos também tem família na Ucrânia. A mãe ficou sozinha em casa em Kiev e "recusa-se a sair". "Ela tem 70 anos e vive sozinha com o cão. Não quer ir para um abrigo, diz que se sente mais segura em casa. O distrito dela ainda não foi afetado. Ela é forte, não tem medo. Recusa sair. Ela diz ‘por que razão é que eu deveria sair da minha casa’”, contou a ucraniana.

Sobre esta onda de solidariedade no Luxemburgo, Liliana assume que às vezes os "governos complicam as coisas", porque as pessoas "têm boa-vontade e querem ajudar". "É fantástico o que as pessoas têm feito. Infelizmente muitas vezes deixamo-nos tocar mais por ser algo próximo de nós e conseguirmos ver que esta realidade podia ser a nossa, mas por vezes não olhamos com o mesmo sentimento para outros países que também são atacados, como a Síria. Falo por mim, porque também não fiz nada quando houve refugiados de outros países e neste momento estou a fazer alguma coisa pelos da Ucrânia", confessou.

Já Ioan admite que ficou "muito surpreendido e contente" com a solidariedade dos luxemburgueses. "Não sabia que existia tanta boa-vontade por parte das pessoas, pensava que passados uns dias já não se implicavam tanto. Quando vi esta onda de solidariedade fiquei contente. É bom, porque se não nos ajudarmos uns aos outros, quem é que ajuda? O melhor da vida é sentir que estamos a fazer algo pelo próximo. Nos momentos em que precisam mais".

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