Entrevista com Hollerich. Concertos de Natal "serão difícieis" de acontecer
Entrevista com Hollerich. Concertos de Natal "serão difícieis" de acontecer
Numa entrevista à edição alemã do Luxemburger Wort, o cardeal Jean-Claude Hollerich falou sobre os pontos mais importantes da nova circular papal "Fratelli tutti" - e fez o balanço do seu primeiro ano como cardeal.
A 5 de outubro de 2019, o Papa Francisco elevou-o à categoria de cardeal. Que balanço faz do ano que passou desde então?
Foi acima de tudo um ano marcado pela crise da covid, com muitas viagens canceladas. Isso também me deu a oportunidade de refletir mais sobre mim, como viver o meu cristianismo de forma mais autêntica. Mas também para refletir e rezar sobre a igreja no Luxemburgo. Neste sentido foi um momento muito bom para mim.
Alguma vez imaginou que, tal como muitos funcionários luxemburgueses, também iria fazer muitas videoconferências? Será que o Vaticano também mudou?
Sim, eu tive muitas videoconferências. Estou contente porque é um bom instrumento. Tem-se notado que pode poupar-nos de algumas viagens. Mas os encontros físicos também são bons por vezes.
Para além da cultura qual é o seu segundo foco?
O diálogo entre religiões, que tem muito a ver com a nova encíclica. O Papa diz que foi inspirado a escrever a encíclica pelo grande imã que conheceu em Abu Dhabi. Francisco de Assis também chegou a conhecer o sultão. Isto significa que nos podemos tornar mais autênticos no nosso encontro com os outros e, desta forma, encontrar mais facilmente a nossa própria identidade.
Sobre esta inspiração do Papa, tem havido muitas críticas nas últimas semanas, especialmente por parte de associações de mulheres que não se sentiram tão representadas porque o título da encíclica é apenas dirigido aos irmãos.
É uma citação do Papa Francisco. As citações não podem ser alteradas sem mais nem menos.
Mas poderia não ter sido escolhida como título.
Sim, mas é uma citação que inspirou o Papa. No texto ele dirige-se imediatamente a todos os seus irmãos e irmãs. Não é que as mulheres não sejam mencionadas. Pelo contrário. O texto também menciona a emancipação da mulher como uma das grandes conquistas do nosso tempo.
Quais são as suas primeiras impressões sobre a encíclica?
Li o primeiro o texto que tem 130 páginas. Vou lê-lo mais algumas vezes, lendo e rezando para compreendê-lo melhor. No início quando lemos um texto assim a nossa atenção é atraída para coisas para os quais já tínhamos olhado antes. Nesse sentido, o que estou a dizer agora talvez seja um pouco limitado.
Confinamento deu-me a oportunidade 'para refletir e rezar sobre a igreja no Luxemburgo'.
Qual foi até agora o aspeto mais inspirador do texto?
A encíclica é sobre a caridade. A caridade é ao nível do mundo global, e este mundo global em si mesmo devo ser o vizinho de todos. A parábola do "Bom Samaritano" também aparece no texto. E foi aqui que o meu coração se abriu. Também podemos fazer um exame de consciência. O texto fala também dos Estados. A encíclica é dirigida contra o populismo, contra a visão fechada do nacionalismo. Após a covid-19 temos a oportunidade de tornar o mundo um pouco mais justo e pacífico. E devemos agarrar esta oportunidade de aprendermos algo sobre a nossa humanidade em plena crise.
Um mundo mais justo... Algo que não é evidente tendo em conta as condições miseráveis em vários campos de refugiados na Grécia...
O Papa também fala dos refugiados - e diz muito claramente que a atitude cristã é de acolher, acompanhar e integrar os refugiados. E só posso dizer que penso e sinto exatamente o mesmo. A última encíclica de Francisco foi chamada "Laudato si". Isto foi há cinco anos atrás. Qual foi o efeito disto? E ainda continua? E não vai parar.
"Laudato si" é um texto que não foi tão bem recebido por muitos católicos devotos, mas por um grande número de pessoas fora da Igreja. Quando me encontro com políticos em Bruxelas, eles já leram "Laudato si", e não são todos cristãos; há agnósticos entre eles Mas é um texto que eles gostam, e é um texto sobre o qual se pode dialogar. E a presente encíclica não se dirige apenas aos cristãos, o Papa diz mesmo que está escrita para que todas as pessoas a possam ler. No verão tive o prazer de falar durante uma hora com o Presidente da Áustria. Encontramos muitas semelhanças; ele referiu imediatamente "Laudato si".
Disse que tinha muito tempo para pensar sobre a igreja do Luxemburgo. Vê-a num bom caminho com o novo trio de liderança composto por si, o bispo auxiliar e o vigário geral?
Penso que nos complementamos muito bem. Somos todos muito diferentes, e isso é muito bom. A diversidade de opiniões e por vezes de reações é necessária para se chegar a uma atitude que todas as pessoas possam partilhar. Penso que temos muita confiança uns nos outros, escutamo-nos mutuamente, praticamos um verdadeiro diálogo. E isso é bom para a nossa Igreja.
Devemos agarrar esta oportunidade de aprendermos algo sobre a nossa humanidade em plena crise.
Após o confinamento, a vida paroquial foi retomada em muitos sítios. Imagino que muitos crentes estejam novamente inquietos já que isto poderá tornar-se mais difícil novamente, agora que a estação fria começou.
É bem possível. Não sou um profeta, não posso dizer isso. Mas o ser humano é o foco das nossas mensagens - especialmente os mais desprotegidos. E é por isso que faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para evitar o vírus. Pela segurança das pessoas.
Isto significa que vai ter de ir avaliando a situação e prepara-se para poder emitir novas instruções a curto prazo?
Sim. Isso pode ser um pouco complicado para muita gente. Mas não há outra forma.
Então ainda não pode prever realmente se haverá concertos de Natal, por exemplo?
Cantar será difícil, mesmo que se esteja muito afastado. Mas o Natal será celebrado de qualquer forma. Todo o ano litúrgico prossegue. Em muitas paróquias a catequese também recomeçou. Talvez as pessoas que só tinham o hábito de cantar se mantenham mais afastadas. Mas acredito que muitas nesta crise refletiram sobre o significado de tudo isto. E para algumas a religião pode ter-se tornado mais importante, mais central. Por isso estou ansioso pelo novo começo.
Edição e tradução de Catarina Osório.
O Contacto tem uma nova aplicação móvel de notícias. Descarregue aqui para Android e iOS. Siga-nos no Facebook, Twitter e receba as nossas newsletters diárias.
