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"Enquanto o Governo é tão lento, vemos as pessoas no Luxemburgo a juntar-se para ajudar os refugiados"

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"Enquanto o Governo é tão lento, vemos as pessoas no Luxemburgo a juntar-se para ajudar os refugiados"

"Enquanto o Governo é tão lento, vemos as pessoas no Luxemburgo a juntar-se para ajudar os refugiados"
Reportagem

"Enquanto o Governo é tão lento, vemos as pessoas no Luxemburgo a juntar-se para ajudar os refugiados"


por Tiago RODRIGUES/ 23.03.2022

Kateryna Okhrimenko é empreendedora e uma das fundadoras da LUkraine, organização que representa a comunidade ucraniana no Luxemburgo.Foto: António Pires

Mais de quatro mil ucranianos já chegaram ao Luxemburgo. A maior parte está em casas de famílias de acolhimento, através de iniciativas civis. Chegam com a promessa de um novo futuro, mas organizações como a LUkraine criticam a falta de comunicação com o Governo, o difícil acesso aos centros de refugiados e a demora dos apoios do Estado.

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A promessa de um novo futuro
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Quando a guerra na Ucrânia começou, há um mês, Kateryna Okhrimenko teve dificuldade em convencer o pai a abandonar a sua casa em Odessa. Ela é da quinta geração de uma tradicional família ucraniana que viveu naquela cidade situada às margens do Mar Negro, a quarta maior do país. Durante estas cinco gerações, sobreviveram às ocupações alemã, romena e soviética. O avô foi um soldado durante a Segunda Guerra Mundial e o bisavô foi morto pelos soviéticos. “Quando vemos que isto está a acontecer outra vez, não conseguimos acreditar”, disse a mulher de 39 anos. “É um grande drama para mim, porque perdi a minha mãe no ano passado”.

Kateryna e a irmã acabaram por convencer o pai a deixar a casa e fugir do país. “Pedimos-lhe para não passar por isto outra vez. Ele é a nossa única família. Foi uma decisão muito difícil para ele, mas convencemo-lo com o argumento de que é o único pai que temos e que queremos que ele tome conta de nós e não morra na guerra. Ele tem 61 anos, tem o direito de sair do país”, contou a filha. A ucraniana pediu ao pai e à avó para virem para a sua casa no Luxemburgo. “Foi uma experiência incrível para ele. Este evento mudou toda a sua vida, porque ele teve de deixar a casa e conheceu tantas pessoas que o apoiaram, algo que ele nunca esperaria e que nunca experienciou”.

O pai de Kateryna é um dos mais de quatro mil refugiados ucranianos que chegaram ao Grão-Ducado nas últimas semanas. A avó, de 84 anos, foi para o Qatar, para casa de uma filha que lá vive. “Só fiquei eu, o meu pai e o cão”, disse ela. Enquanto refugiado, o pai teve de preencher um formulário com os seus dados e enviá-lo para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Depois será contactado para uma entrevista com o Gabinete Nacional de Acolhimento (ONA, na sigla em francês), para verificarem a sua identidade e assim poder receber o estatuto de proteção temporária.

O Governo levou o seu tempo. Disse que tinha de preparar-se, reunir-se e pensar. Mas não havia tempo para toda essa burocracia.

Kateryna Okhrimenko
Foto: António Pires

Como milhares de outros refugiados no Luxemburgo, o homem de 61 anos continua à espera de uma resposta. “Ele enviou o formulário há duas semanas e ainda ninguém o contactou. Estou constantemente a ligar para a linha de apoio do Ministério e não dão uma resposta. Enquanto ele não é verificado pelo Governo, está dependente de mim”, explicou Kateryna. Só depois de serem validados pelo ONA e lhes ser concedido o estatuto de proteção temporária é que os refugiados podem receber o apoio do Estado. São cerca de 200 euros por mês e por pessoa, independentemente de estarem alojados numa estrutura do Estado ou numa família de acolhimento.

Esta proteção temporária é, no entanto, diferente do estatuto de refugiado. “Para ter o estatuto de refugiado há regras muito diferentes, é preciso ficar no país, é um processo longo, que pode ser rejeitado após um ano ou mais. Este estatuto de proteção temporária é concedido por um ano, durante o qual as pessoas têm direito a trabalhar no país e recebem uma pequena quantia de dinheiro para comida e outros bens essenciais”, esclareceu a ucraniana, garantindo que os refugiados no Grão-Ducado não recebem mais do que 300 euros. “São 200 euros para comida e depois há quem diga que recebem mais 30 ou 70 euros para outras coisas. O que sabemos é o que vamos ouvindo de diferentes pessoas”.

Kateryna é empreendedora e uma das fundadoras da LUkraine, organização que representa a comunidade ucraniana no Luxemburgo. Desde o início da invasão russa, tem ajudado como chefe da equipa temporária de coordenação entre os refugiados que vão chegando ao país e as famílias de acolhimento, enquanto não havia uma resposta oficial por parte das autoridades do país. “O Governo levou o seu tempo. Disse que tinha de preparar-se, reunir-se e pensar. Mas não havia tempo para toda essa burocracia. Então nós organizamos um pequeno grupo de pessoas e em apenas 24 horas criamos uma plataforma para ajudar a coordenar a chegada dos refugiados”, recordou.


O português Márcio Gomes, Patrick, Olena e a família desta que fugiu da Ucrânia: os pais, a irmã e as sobrinhas.
Foi buscar a família à Ucrânia. Agora, pede ajuda para cuidar de sete pessoas no Luxemburgo
Um francês que vive no Luxemburgo foi buscar a família da mulher à Ucrânia. Acolheu na sua casa os pais dela, a irmã e as duas sobrinhas. Agora são oito pessoas no mesmo apartamento, com apenas dois quartos.

Dessa iniciativa surgiu a página de Facebook “Host families for refugees of war in Ukraine/Luxembourg” (famílias de acolhimento para refugiados da guerra, em português), da qual Kateryna é administradora e que já tem mais de nove mil membros. “Criámos um formulário para quem se quisesse voluntariar para ajudar. A resposta foi incrível. Só na primeira semana recebemos cerca de 600 aplicações das famílias de acolhimento”, contou. O problema, aponta, é que estas famílias não estão “protegidas legalmente”, porque não existe uma “real verificação dos refugiados ou das famílias de acolhimento”.

Apesar dos esforços para que as pessoas que fogem da Ucrânia sejam acolhidas da melhor forma no Grão-Ducado, estes voluntários não têm forma de verificar se um refugiado é de outro país ou se a família de acolhimento tem antecedentes criminais. “Apenas juntamos as pessoas e depois vamos seguindo caso a caso”, assumiu Kateryna, explicando que nem sempre é fácil fazer essa gestão. “Já tivemos casos de famílias que aceitaram acolher mães e filhos, mas passados uns dias diziam que não suportavam o barulho das crianças. Tivemos de realojar estas famílias”.

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Resposta tardia do Governo
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A solução, considera a ucraniana, é a resposta por parte das autoridades oficiais, que foi “tardia”. “Na semana seguinte, o Governo tomou ação e abriu o SHUK, o centro de refugiados em Kirchberg. Tivemos uma reunião com a Cruz Vermelha, a Caritas e o Ministério da Família. Pediram-nos para parar estas iniciativas privadas, porque não podíamos verificar as famílias e os refugiados e isso era um risco. Então passamos a redirecionar todas as iniciativas e as famílias para eles”, recordou. O país disponibilizou até hoje cerca de 2.000 camas em estruturas de acolhimento.

No entanto, há outro problema: “Eles dizem que não têm recursos para validar as famílias. Existe muita frustração na comunidade, porque as pessoas registam-se com as autoridades oficiais e nada acontece”, lamentou Kateryna. “Entendo que precisam de tempo para as validar, fazer uma verificação de segurança dos antecedentes, mas também sei que eles têm imensos recursos. Nós alojamos 97 famílias de refugiados, aproximadamente 277 pessoas, numa semana. Sem incidentes. Tenho a certeza de que o Governo, a Cruz Vermelha e a Caritas têm muito mais recursos e experiência. Eles lidam com isto diariamente, é a sua área profissional. Não entendemos esta demora”.

A Cruz Vermelha Luxemburguesa tem estado a trabalhar em duas frentes. Nos países que fazem fronteira com a Ucrânia, onde as equipas estão a distribuir ajuda não alimentar urgente e a prestar apoio financeiro à Cruz Vermelha Ucraniana. No Luxemburgo, onde, em conjunto com a Caritas, estão a fornecer acolhimento e cuidados nas estruturas de emergência do ONA.

“Criámos e tornámos operacional um sistema que já permitiu recolher mais de 1000 ofertas de alojamento, quer acolhendo famílias, quer disponibilizando gratuitamente casas ou apartamentos atualmente desocupados”, informou Luc Scheer, membro da direção.

Para a colocação, encontramo-nos num dilema difícil entre velocidade e qualidade. Em menos de um mês, duas vezes mais pessoas chegaram da Ucrânia do que num ano da Síria.

Luc Scheer, membro da direção da Cruz Vermelha Luxemburguesa

Neste momento, as equipas da Cruz Vermelha no Luxemburgo estão preocupadas em aumentar o número de camas e as capacidades de apoio social e psicossocial nas instalações de acolhimento, assim como agilizar a colocação das famílias e a instalação de equipamentos nas habitações vazias. Estão a ajudar “metade das pessoas que fugiram da guerra na Ucrânia”, assim como “1500 outros requerentes ou beneficiários de proteção internacional”.

Também criaram um sistema de avaliação e apoio para as famílias de acolhimento. “Para a colocação, encontramo-nos num dilema difícil entre velocidade e qualidade”, confessou Luc Scheer, notando que em menos de um mês, “duas vezes mais pessoas chegaram da Ucrânia do que num ano da Síria”.

Sobre a situação das pessoas que estão alojadas nos centros de refugiados, o responsável reconhece que esta é “geralmente muito difícil”. “Além do trauma que sofreram, existe o medo constante pelas vidas de familiares deixados para trás e mesmo o luto. Embora várias pessoas tenham sido alojadas em hotéis e outras estruturas mais íntimas, muitas estão a dormir em tendas ou dormitórios em pavilhões”, notou o dirigente da Cruz Vermelha.

Luc Sheer acredita que as grandes estruturas providenciadas pelo Estado são “capazes de oferecer abrigo imediato àqueles que chegam e de lhes proporcionar o mínimo de assistência”, como alimentação, cama, higiene, segurança, cuidados de saúde e apoio psicológico. No entanto, “as condições de vida são muito difíceis de suportar, especialmente com crianças”, assumiu, deixando claro que esta é uma medida temporária: “Queremos manter a estadia nestas estruturas tão curta quanto possível”.

As nossas equipas vão ao terreno para visitar as futuras famílias de acolhimento, a fim de avaliar a situação, solicitando alguns registos criminais.

Tom Brassel, diretor de operações da Caritas Luxembourg

A missão da Caritas Luxembourg é bastante idêntica. Desde o início da guerra, a organização tem estado ativa tanto a nível internacional, como por exemplo na Moldávia, Roménia e Ucrânia, como a nível nacional. No Grão-Ducado, criaram uma linha telefónica e um endereço eletrónico para que as pessoas possam apresentar as suas ofertas de alojamento. “Tivemos cerca de 700 ofertas. Agora as nossas equipas vão ao terreno para visitar as futuras famílias de acolhimento, a fim de avaliar a situação, solicitando alguns registos criminais”, afirmou Tom Brassel, diretor de operações.


Refugiados atravessam fronteiras a pé.
Mais 600 camas para refugiados ucranianos na LuxExpo
Até à data, mais de 4.000 refugiados ucranianos dirigiram-se ao Luxemburgo para pedir proteção internacional.

O responsável notou que algumas dessas ofertas não foram aceites, “porque a duração da oferta de alojamento é demasiado curta, menos de 3 meses”. Após a entrevista no ONA, as pessoas são questionadas se querem viver com uma família ou num abrigo. “Uma vez feita a lista de ofertas de alojamento e a lista de pessoas que querem viver com uma família, iniciaremos a correspondência”, explicou, relembrando que já abriram oito abrigos de emergência, que correspondem a 832 camas.

Tom Brassel informou que, atualmente, cerca de 1300 pessoas encontram-se em centros de acolhimento, mas a Caritas também está a dar apoio psicossocial nas casas das famílias. “Estamos a pensar na melhor forma de as acompanhar e apoiar e assim favorecer o processo de integração”. Para o dirigente, a melhor forma de as pessoas poderem ajudar a missão da organização é através da doação de dinheiro, porque lhes permite “ajudar rapidamente a nível nacional e internacional”.

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O exemplo das comunidades
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Apesar da ação da Cruz Vermelha e da Caritas, Kateryna lamenta que não exista uma coordenação de esforços para que os voluntários de organizações como a LUkraine possam ajudar. “A comunicação com o Governo é difícil, porque não recebemos instruções claras. Não sabemos o que vai acontecer com os refugiados depois do processo da entrevista. Eles vêm falar connosco e contam-nos como foi, mas eu não posso divulgar com a comunidade porque não existe uma comunicação oficial”, lamentou.

A ucraniana relembra que apesar de alguns refugiados já terem começado a receber os apoios do Estado, as famílias de acolhimento não têm qualquer ajuda. “A grande questão é que os refugiados estão a viver às custas das famílias de acolhimento e estas não recebem qualquer apoio do Estado. Isto talvez seja diferente no futuro, mas ainda não sabemos”, criticou. Estas famílias devem alojar os refugiados durante pelo menos três meses e depois as autoridades “irão providenciar alojamento”, revelou Kateryna. “Se será um apartamento ou um quarto de hotel, não fazemos ideia”.

É curioso, enquanto o Governo é tão lento, vemos estes indivíduos a juntar-se no Facebook. Há uma grande cooperação entre as comunidades.

Kateryna Okhrimenko

A empreendedora apela a que haja mais colaboração entre as diferentes entidades e as comunidades, dando como exemplo as iniciativas das comunas, que “estão a fazer um excelente trabalho”. “A comuna de Contern está a preparar abrigos e tem um armazém com roupas e outros bens que as pessoas podem doar. Strassen organizou uma casa para encontros de refugiados. Differdange também tem um site para ajudar. É curioso, enquanto o Governo é tão lento, vemos estes indivíduos a juntar-se no Facebook. Há uma grande cooperação entre as comunidades”.

Kateryna salienta que a maioria das iniciativas para integrar os refugiados tem surgido através dos grupos no Facebook, tais como librarias e museus para crianças, clubes de futebol a organizar jogos, pessoas a doar bicicletas. “Eles ficam tão contentes. É provavelmente a melhor coisa que lhes aconteceu desde que chegaram aqui. Tudo isto é organizado pela comunidade”, reforçou. Têm sido organizados eventos como caminhadas e piqueniques, encontros para as mães e jogos e brincadeiras para as crianças. Também foi criada uma página com o nome “Padrinhos do Luxemburgo”, para aqueles que querem apadrinhar um refugiado.

Não posso deixar de imaginar a minha mãe, a minha irmã e os meus sobrinhos nestes refugiados. Fez-me querer fazer algo para que os ucranianos se sintam acolhidos no Luxemburgo e possam viver aqui com dignidade.

Tomas Thorpe

Tomas Thorpe é uma das pessoas que se ofereceu para ajudar. O britânico de 39 anos, professor numa escola pública do Luxemburgo, não tem possibilidade de disponibilizar o seu apartamento para acolher uma família de refugiados, mas tem feito o que pode. “Perguntei-me o que mais posso fazer? Ofereci transporte de pessoas e artigos por todo o Luxemburgo, enviei mensagens a muitos refugiados para lhes dar as boas-vindas, doei um velho iPad e algumas outras coisas”, contou. “Não posso deixar de imaginar a minha mãe, a minha irmã e os meus sobrinhos nestes refugiados. Fez-me querer fazer algo para que os ucranianos se sintam acolhidos no Luxemburgo e possam viver aqui com dignidade”.

Tomas Thorpe, inglês de 39 anos, é professor e ofereceu-se para ajudar refugiados no Luxemburgo.
Tomas Thorpe, inglês de 39 anos, é professor e ofereceu-se para ajudar refugiados no Luxemburgo.
Foto: DR

O inglês tem estabelecido contacto com várias famílias através do Facebook, “um privilégio” que pretende manter para continuar a oferecer-lhes “apoio nos processos burocráticos, mas também nas coisas simples como a compra de artigos artesanais que eles fazem”. No passado domingo, Tomas convidou uma mãe e o seu filho para jantar em sua casa. “Só Deus sabe o que eles têm passado, mas o stress nos seus rostos mostra que é tudo menos fácil. O menor apoio oferecido tem o maior dos impactos. Pensei que um ambiente familiar com boa comida poderia ser útil”, explicou.

O professor assistiu a um jogo de futebol com o rapaz, enquanto a mãe “cozinhava algumas excelentes especialidades ucranianas”. “Foi nesta altura que ouvi mais sobre a sua história de partir o coração. Mais uma vez só conseguia pensar que poderiam ser a minha irmã e os meus sobrinhos”, desabafou.

Se as pessoas não falarem as línguas necessárias, terão dificuldade em encontrar trabalho a ganhar o salário mínimo. Serviços de cozinha, limpeza e beleza é provavelmente tudo o que podem oferecer.

Tomas Thorpe

Ao conversar com a família, Tomas percebeu que o Estado está a fornecer-lhes vouchers para comida e outros bens. “No entanto, ela [a mãe] é uma mulher orgulhosa e não quer receber esmolas, mas sim trabalhar para pagar as suas contas antes de regressar a casa”. 

O apoio prestado pelo Estado poderá, no entanto, ser curto para ter uma vida digna no Luxemburgo, considera o britânico. “Se as pessoas não falarem as línguas necessárias, terão dificuldade em encontrar trabalho a ganhar o salário mínimo. Serviços de cozinha, limpeza e beleza é provavelmente tudo o que podem oferecer. Além disso, uma vez que comecem a ganhar um salário podem perder a ajuda. Isso acrescenta claramente mais stress”, afirmou.


Juliet Ostretsova e Ilia Ostretsov são russos e ajudaram a trazer 19 refugiados ucranianos para o Grão-Ducado.
Casal russo ajudou a trazer 19 refugiados ucranianos para o Luxemburgo
Um casal russo que vive no Luxemburgo decidiu ajudar os ucranianos que estão a fugir da guerra. Ilia e Juliet organizaram uma viagem até à fronteira polaca e trouxeram 19 refugiados para o Grão-Ducado.

Depois de saber do valor da ajuda do Estado, Tomas decidiu verificar algumas questões com a comunidade do Facebook. “Algumas pessoas pensam que se um refugiado abandonar o centro de acolhimento não tem direito a ajuda do Estado, mas parece não ser esse o caso. Há também o receio de existir um recolher obrigatório nesses centros e, portanto, uma falta de liberdade”, lamentou o professor.

O Contacto questionou o Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre estas e outras questões relacionadas com o SHUK, mas não obteve uma resposta em tempo útil.

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Difícil acesso aos abrigos
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Outra das críticas da fundadora da LUkraine é o aparente secretismo em volta dos centros de acolhimento de refugiados. Lá dentro não entram voluntários de outras organizações que não os da Cruz Vermelha ou Caritas, nem jornalistas. O Contacto tentou visitar o SHUK, mas o Ministério respondeu que "a realização de reportagens no local não é possível devido à necessidade de proteger a privacidade das pessoas envolvidas".

Para Kateryna, isso dificulta a ligação entre os refugiados que estão nos abrigos e os que estão em famílias de acolhimento. “Penso que as pessoas nos abrigos têm menos possibilidades de aceder aos eventos que organizamos. Tentamos contactá-las, para que possam participar. Eles não são prisioneiros, apenas vivem ali. Mas não nos permitem entrar”, lamentou.

A ucraniana entende que só as pessoas verificadas pelas autoridades é que podem entrar naquelas estruturas, mas questiona por que é que não o fazem com os voluntários que têm tentado ajudar até agora: “Podem validar-nos? Podem verificar os nossos passaportes para podermos entrar nestes abrigos? Como é que podemos trabalhar juntos para melhorar a vida dos refugiados? Para que possamos conhecer estas pessoas, ajudá-las a integrar-se na sociedade, para que se sintam bem-vindas mesmo estando num abrigo”, apelou.

Faria sentido que dessem [o Governo] uma explicação clara. Explicarem o que estão a fazer, porque é que eles [os refugiados] têm de esperar e o que vai acontecer a seguir. É muito frustrante esta falta de comunicação.

Kateryna Okhrimenko

Na opinião de Kateryna, o Governo deveria quebrar o silêncio e fazer uma comunicação oficial para as famílias que estão à espera de ser contactadas. “Faria sentido que dessem uma explicação clara. Explicarem o que estão a fazer, porque é que eles têm de esperar e o que vai acontecer a seguir. É muito frustrante esta falta de comunicação”, criticou. “Normalmente, esperaríamos que fosse o Governo a agir primeiro e depois as pessoas seguiriam os seus conselhos, mas existe tanta burocracia e demora… Sabemos que é preciso tempo para assegurar a segurança destas pessoas. Mas quanto tempo?”

O Contacto tentou visitar o SHUK, mas o Ministério respondeu que "a realização de reportagens no local não é possível devido à necessidade de proteger a privacidade das pessoas envolvidas".
O Contacto tentou visitar o SHUK, mas o Ministério respondeu que "a realização de reportagens no local não é possível devido à necessidade de proteger a privacidade das pessoas envolvidas".
Foto: DR

Em contraste com a resposta “lenta” das autoridades, a ucraniana ficou “surpreendida” com a quantidade de pessoas que se disponibilizaram a ajudar no Grão-Ducado. “Achei incrível. Nunca esperaria este tipo de ajuda no Luxemburgo. Pensava que eram pessoas muito conservadoras, que seguem as regras… Não esperava que simplesmente abrissem as portas de casa para acolher refugiados. É impressionante. Acho que é o que está a acontecer em toda a Europa. É um exemplo incrível de como as pessoas se podem organizar”.

Apesar de toda essa mobilização, o ministro Jean Asselborn pediu para os cidadãos deixarem de utilizar os próprios meios para viajar para as fronteiras da Ucrânia para trazer refugiados, a não ser que tenham alojamento a médio prazo, para não sobrecarregar as estruturas do Estado. “Então qual é o objetivo? Eles têm centros quase cheios e milhares de famílias preparadas para alojar refugiados. Se o Governo nos der uma lista das famílias verificadas, podemos trabalhar com isso”, apontou Kateryna, fazendo também um apelo à polícia para que divulgue uma lista de regras de segurança para aconselhar as famílias e os refugiados, para evitar possíveis casos de abusos ou tráfico humano.

Uma das maiores preocupações que temos é que os anfitriões passem por um processo de rastreio adequado a fim de eliminar o máximo possível o abuso ou assédio dos refugiados.

Eddie Berkovitch, responsável pela equipa de transportes da LUkraine

Até hoje, a LUkraine contou com cerca de 220 voluntários para o transporte de refugiados entre a Ucrânia e o Luxemburgo. Eddie Berkovitch, responsável pela equipa de transportes, revela que, no último mês, cerca de 50 veículos foram para a fronteira, trazendo entre 140 e 165 refugiados para Grão-Ducado. “Os nossos voluntários não só trazem pessoas para o Luxemburgo, mas alguns também permanecem na fronteira durante alguns dias, ajudando nas necessidades de transporte”, afirmou o israelita, de 44 anos.

Após o apelo do Governo, os motoristas foram instruídos a trazer apenas pessoas que tenham confirmado a sua residência no Luxemburgo. “Embora existam algumas centenas de anfitriões registados em várias plataformas, uma das maiores preocupações que temos é que os anfitriões passem por um processo de rastreio adequado a fim de eliminar o máximo possível o abuso ou assédio dos refugiados. É por isso crucial que esse rastreio seja feito por profissionais”, reconheceu.


A família de ucranianas que escapou da guerra para o Luxemburgo: a mãe, de 29 anos, a filha, de cinco, e a avó, de 52.
A nova vida das ucranianas acolhidas por família portuguesa no Luxemburgo
Três mulheres – avó, mãe e filha – que fugiram da guerra na Ucrânia chegaram ao Luxemburgo no dia 3 de março. Estão na casa da família luso-romena que as acolheu, em Rumelange.

Kateryna só conseguiu voltar a dormir há uns dias. Durante quase um mês, trabalhou 24 horas por dia. Foi a maneira que encontrou de responder à crise. “Percebi que há duas respostas para este problema: uma delas é parar e ficar frustrado, outra é simplesmente saltar para a água e começar a nadar, fazer alguma coisa”. A solução, reflete a ucraniana, passou por continuar o trabalho que tem feito até aqui. “Quantas mais famílias ajudar, mais mulheres e crianças felizes tivermos no Luxemburgo, mais línguas elas consigam aprender e mais integradas estejam na sociedade europeia, melhor será para o futuro”.

Quanto ao futuro da Ucrânia, a empreendedora não tem dúvidas de que o caminho é europeu. “Quero que a integração aconteça na direção da Europa e não da Rússia”. Ela lembra que muitas das famílias que estão hoje no Grão-Ducado têm maridos, pais e irmãos a lutar na Ucrânia e que enquanto eles souberem que as suas mulheres e crianças estão seguras, “mais aptos estarão para combater”. “É assim que eu contribuo para a vitória da Ucrânia. Não posso usar armas, mas posso usar o meu cérebro”.

A mulher de 39 anos tem esperança de um dia poder voltar à sua casa, em Odessa. Se esta não tiver sido bombardeada. Um pensamento que lhe custa a exprimir. “É como se fossemos uma árvore e nos arrancassem do chão, nos cortassem as raízes. É assim que nos sentimos. Especialmente o meu pai. É uma sensação horrível”. Para já, o pai sente-se “muito bem recebido” no Luxemburgo. Ele e a mãe de Kateryna já a tinham visitado há uns anos. “Ele gosta realmente de estar aqui. Também poderia ir para o Canadá, porque tem lá amigos da família. Mas diz que se sente mais ligado à Europa. É aqui que se sente em casa”.

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