EDITORIAL: Má sorte chamar-se João
EDITORIAL: Má sorte chamar-se João
Por Paula Telo Alves - Chamar-se João ou Roger pode determinar o futuro das crianças. Um estudo da Universidade do Luxemburgo indica que os preconceitos dos professores podem estar a prejudicar os alunos portugueses. O caso levou esta semana a eurodeputada Marisa Matias a questionar a Comissão Europeia.
Na hora de decidir quem vai para o técnico e para o clássico, considerado a via mais elitista do ensino secundário, não são só os resultados escolares que pesam na balança. Os professores são influenciados por preconceitos em relação à nacionalidade e à situação socioeconómica dos alunos, prejudicando os alunos portugueses. As conclusões são de um estudo da Universidade do Luxemburgo que o Contacto noticiou em abril e que foi agora divulgado pela agência Lusa. Trocado em miúdos, ser português, e ainda por cima pobre, pode vedar o acesso aos ramos mais elitistas do ensino secundário.
A experiência conduzida pela Universidade do Luxemburgo era simples. Os investigadores mostraram aos professores boletins fictícios de alunos luxemburgueses e portugueses. Cada boletim indicava os resultados escolares dos alunos, mas também a sua nacionalidade e a profissão dos pais. Depois, os professores tinham de decidir quem ia para o secundário clássico e para o ensino técnico-profissional. Resultado: os professores tomaram a decisão correta em relação a 90% dos alunos luxemburgueses, contra apenas 67% no caso dos portugueses.
O estudo foi feito com alunos fictícios, mas não há razão para acreditar que seja diferente na vida real. E os erros são ainda mais graves quando se sabe que a decisão sobre o futuro escolar e profissional dos alunos é tomada no final do ensino primário, selando muito cedo o destino destas crianças, como aponta a eurodeputada Marisa Matias. “A nacionalidade de uma criança não pode ser vista automaticamente como sinónimo de incapacidade de aprender, nem pode pré-determinar o tipo de ensino a que uma criança tem direito, ou a que escolhas profissionais pode ambicionar no seu futuro”, sublinha a eurodeputada na questão que apresentou à Comissão Europeia.
As conclusões da Universidade do Luxemburgo confirmam o mecanismo da reprodução social das desigualdades descrito pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu. De forma consciente ou inconsciente, a escola, que deveria servir de ascensor social, continua a perpetuar as desigualdades dos alunos.
Mas os preconceitos dos professores não são a única barreira invisível que os portugueses enfrentam no ensino luxemburguês. A alfabetização em alemão favorece claramente os autóctones, apesar de o país ser trilingue, de o francês ser a língua mais procurada no mercado de trabalho, e de vários estudos apontarem a necessidade de diversificar a oferta escolar. Apesar disso, o Governo mantém na gaveta a promessa de fazer a alfabetização também em francês.
O sistema educativo continua a ter apenas mudanças cosméticas ou pontuais, como a abertura da Escola Internacional de Differdange. Não chega para erradicar a desigualdade profundamente enraizada na escola luxemburguesa.
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