Ativistas desaparecidos. Luxemburgo tem de usar "todo o arsenal legislativo"
Ativistas desaparecidos. Luxemburgo tem de usar "todo o arsenal legislativo"
A divulgação do desaparecimento de dois ativistas ambientais mexicanos e a sua presumível ligação à Ternium, uma empresa produtora de aço da América Latina com sede no Grão-Ducado, teve um eco retumbante no país.
Na quarta-feira, a Iniciativa pelo Dever de Vigilância no Luxemburgo, grupo que defende os direitos humanos no contexto das empresas domiciliadas no Grão-Ducado e que reúne 17 organizações da sociedade civil luxemburguesa, fez o ponto de situação da investigação sobre o caso que começou há dois meses.
O relatório apresentado confirma que os deputados Stéphanie Empain e Charles Margue (déi gréng) tinham abordado o assunto junto dos ministros da Economia e dos Negócios Estrangeiros. No seguimento da questão, os governantes enviaram uma carta à Ternium no final de janeiro a pedir explicações.
A empresa respondeu ao governo luxemburguês, mas demitiu-se de qualquer responsabilidade. O coordenador da Iniciativa do Dever de Vigilância no Luxemburgo lamentou que o conteúdo da resposta não tenha sido tornado público, mas revelou que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jean Asselborn, garantiu que "fará tudo o que estiver ao seu alcance para ajudar a resolver estes desaparecimentos".
Jean-Louis Zeien sublinhou, ainda, a necessidade de o Grão-Ducado utilizar "todo o arsenal legislativo" à sua disposição para continuar a exercer pressão sobre a empresa e exigir respostas. Por outro lado, o responsável apelou à intervenção das autoridades mexicanas na resolução do caso. "É preciso investigar a sério e levar os responsáveis à justiça."
Autoridades mexicanas não respondem
Alejandra Gonza, presidente da organização Global Rights Advocacy, que também defende os direitos humanos, esteve presente, tal como vários familiares dos dois desaparecidos. Particularmente comovida, a mãe de Ricardo não encontrou palavras para descrever a aflição que sente. "Não consigo deixar de pensar neles. A minha família está em grande sofrimento", confidenciou, entre soluços. "O meu filho não vê a filha de quatro anos e a mulher há dois meses. Estou tão triste e zangada. Estou morta por dentro, é preciso passar por isto para compreender", acrescentou.
A esposa de Ricardo, que também esteve presente, concordou, destacando o trabalho do seu marido, advogado especializado na defesa dos direitos humanos, e acusando as autoridades mexicanas. "O governo mexicano não respondeu às nossas perguntas. O desaparecimento de Antonio e Ricardo não parece fazer mexer ninguém das autoridades mexicanas. Não sinto que estou a viver numa democracia, mas sim num país dirigido por corporações."
Keivan, filho de Antonio, deplora a forma como a empresa sediada no Luxemburgo tenta esquivar-se de qualquer responsabilidade. "Após o desaparecimento, a Ternium começou a comunicar ativamente para se proteger e para se libertar de qualquer responsabilidade. Eles enviaram a mesma mensagem a todos os membros das duas famílias. Queremos que deixem de se vitimizar e que cheguem ao fundo deste assunto."
O caso remonta a 15 de janeiro, data em que o representante da comunidade indígena Aquila, Antonio Díaz Valencia, de 71 anos, e o advogado especializado na defesa de direitos humanos Ricardo Arturo Lagunes Gasca, de 41 anos, desapareceram ao longo da fronteira entre os estados de Colima e Michoacán. O desaparecimento deu-se após uma reunião sobre o incumprimento, por parte de uma empresa siderúrgica, de acordos relacionados com a exploração da mina de Las Encinas.
Ativistas terão sido seguidos pouco antes
A Ternium, que opera a mina, é um dos atores económicos mais poderosos da região. No entanto, as suas atividades causam muitos danos ambientais e também prejudicam o tecido social da região, o que já levou a muitos conflitos e violência dentro da própria comunidade. Nesse sentido, os dois homens estavam a lutar por uma compensação justa por parte da empresa. As suspeitas sobre os desaparecimentos voltaram-se de imediato para a empresa Ternium, que tem a sua sede no Luxemburgo, no Boulevard Royal.
Além disso, testemunhas explicaram à imprensa local que os dois ativistas tinham sido ameaçados várias vezes por um membro da empresa mineira. No dia do desaparecimento, terão sido seguidos por vários homens em carros e motos, depois de saírem da reunião referida. Os dois deslocavam-se numa pick-up branca que foi encontrada na berma de uma autoestrada. Embora o veículo estivesse cheio de marcas de balas, não foi encontrado sangue no interior.
Dois meses depois, não há pistas do paradeiro de Ricardo e Antonio, deixando ambas as famílias numa situação de absoluta angústia. Para elas, a Ternium está inevitavelmente envolvida no mistério. Recentemente, foram mencionadas suspeitas de ligações entre a empresa siderúrgica e o poderoso Cartel Jalisco Nueva Generación, um dos mais poderosos e influentes cartéis do mundo.
Recorde-se que, pouco depois dos desaparecimentos, a empresa respondeu às acusações num comunicado de imprensa, onde disse estar "a colaborar ativamente com as autoridades mexicanas, fazendo tudo [ao seu alcance] para encontrar as duas pessoas desaparecidas". A empresa mostrou-se "chocada" com os factos e expressou a sua "solidariedade" com as famílias de Antonio e Ricardo. "Negámos e rejeitámos publicamente qualquer especulação de que a Ternium ou Las Encinas estejam implicadas ou ligadas aos desaparecimentos".
Finalmente, o irmão de Ricardo, Antoine, implorou à empresa que utilize a sua influência comercial e política para garantir o regresso dos dois desaparecidos. "A Ternium é muito poderosa na região e opera numa região dominada pela violência e pelo conflito. É da sua responsabilidade respeitar os direitos humanos e reparar a comunidade destroçada", afirmou, agradecendo ao Luxemburgo por dar atenção ao caso.
(Artigo originalmente publicado no Virgule e adaptado para o Contacto por Maria Monteiro.)
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