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Ativistas desaparecidos. Luxemburgo tem de usar "todo o arsenal legislativo"
Luxemburgo 5 min. 17.03.2023
México

Ativistas desaparecidos. Luxemburgo tem de usar "todo o arsenal legislativo"

Antonio Díaz Valencia, de 71 anos, e Ricardo Arturo Lagunes Gasca, de 41 anos, desapareceram a 15 de janeiro
México

Ativistas desaparecidos. Luxemburgo tem de usar "todo o arsenal legislativo"

Antonio Díaz Valencia, de 71 anos, e Ricardo Arturo Lagunes Gasca, de 41 anos, desapareceram a 15 de janeiro
Foto: DR
Luxemburgo 5 min. 17.03.2023
México

Ativistas desaparecidos. Luxemburgo tem de usar "todo o arsenal legislativo"

Simon MARTIN
Simon MARTIN
Dois meses depois, não há novas pistas do paradeiro dos dois ativistas no México, que pode envolver uma siderúrgica com sede no Grão-Ducado.

A divulgação do desaparecimento de dois ativistas ambientais mexicanos e a sua presumível ligação à Ternium, uma empresa produtora de aço da América Latina com sede no Grão-Ducado, teve um eco retumbante no país. 

Na quarta-feira, a Iniciativa pelo Dever de Vigilância no Luxemburgo, grupo que defende os direitos humanos no contexto das empresas domiciliadas no Grão-Ducado e que reúne 17 organizações da sociedade civil luxemburguesa, fez o ponto de situação da investigação sobre o caso que começou há dois meses.

O relatório apresentado confirma que os deputados Stéphanie Empain e Charles Margue (déi gréng) tinham abordado o assunto junto dos ministros da Economia e dos Negócios Estrangeiros. No seguimento da questão, os governantes enviaram uma carta à Ternium no final de janeiro a pedir explicações.

A empresa respondeu ao governo luxemburguês, mas demitiu-se de qualquer responsabilidade. O coordenador da Iniciativa do Dever de Vigilância no Luxemburgo lamentou que o conteúdo da resposta não tenha sido tornado público, mas revelou que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jean Asselborn, garantiu que "fará tudo o que estiver ao seu alcance para ajudar a resolver estes desaparecimentos".

Jean-Louis Zeien sublinhou, ainda, a necessidade de o Grão-Ducado utilizar "todo o arsenal legislativo" à sua disposição para continuar a exercer pressão sobre a empresa e exigir respostas. Por outro lado, o responsável apelou à intervenção das autoridades mexicanas na resolução do caso. "É preciso investigar a sério e levar os responsáveis à justiça."


Antonio Díaz Valencia e Ricardo Arturo Lagunes Gasca desapareceram em janeiro.
Empresa luxemburguesa envolvida no desaparecimento de dois ativistas no México
Uma empresa especializada na produção de aço na América Latina, sediada no Grão-Ducado, pode estar implicada no mistério.

Autoridades mexicanas não respondem

Alejandra Gonza, presidente da organização Global Rights Advocacy, que também defende os direitos humanos, esteve presente, tal como vários familiares dos dois desaparecidos. Particularmente comovida, a mãe de Ricardo não encontrou palavras para descrever a aflição que sente. "Não consigo deixar de pensar neles. A minha família está em grande sofrimento", confidenciou, entre soluços. "O meu filho não vê a filha de quatro anos e a mulher há dois meses. Estou tão triste e zangada. Estou morta por dentro, é preciso passar por isto para compreender", acrescentou.

A esposa de Ricardo, que também esteve presente, concordou, destacando o trabalho do seu marido, advogado especializado na defesa dos direitos humanos, e acusando as autoridades mexicanas. "O governo mexicano não respondeu às nossas perguntas. O desaparecimento de Antonio e Ricardo não parece fazer mexer ninguém das autoridades mexicanas. Não sinto que estou a viver numa democracia, mas sim num país dirigido por corporações."

Keivan, filho de Antonio, deplora a forma como a empresa sediada no Luxemburgo tenta esquivar-se de qualquer responsabilidade. "Após o desaparecimento, a Ternium começou a comunicar ativamente para se proteger e para se libertar de qualquer responsabilidade. Eles enviaram a mesma mensagem a todos os membros das duas famílias. Queremos que deixem de se vitimizar e que cheguem ao fundo deste assunto."

O caso remonta a 15 de janeiro, data em que o representante da comunidade indígena Aquila, Antonio Díaz Valencia, de 71 anos, e o advogado especializado na defesa de direitos humanos Ricardo Arturo Lagunes Gasca, de 41 anos, desapareceram ao longo da fronteira entre os estados de Colima e Michoacán. O desaparecimento deu-se após uma reunião sobre o incumprimento, por parte de uma empresa siderúrgica, de acordos relacionados com a exploração da mina de Las Encinas.

A mina Las Encinas, explorada pela Ternium, siderúrgica com sede no Luxemburgo
A mina Las Encinas, explorada pela Ternium, siderúrgica com sede no Luxemburgo
Foto: D.R.

Ativistas terão sido seguidos pouco antes

A Ternium, que opera a mina, é um dos atores económicos mais poderosos da região. No entanto, as suas atividades causam muitos danos ambientais e também prejudicam o tecido social da região, o que já levou a muitos conflitos e violência dentro da própria comunidade. Nesse sentido, os dois homens estavam a lutar por uma compensação justa por parte da empresa. As suspeitas sobre os desaparecimentos voltaram-se de imediato para a empresa Ternium, que tem a sua sede no Luxemburgo, no Boulevard Royal.

Além disso, testemunhas explicaram à imprensa local que os dois ativistas tinham sido ameaçados várias vezes por um membro da empresa mineira. No dia do desaparecimento, terão sido seguidos por vários homens em carros e motos, depois de saírem da reunião referida. Os dois deslocavam-se numa pick-up branca que foi encontrada na berma de uma autoestrada. Embora o veículo estivesse cheio de marcas de balas, não foi encontrado sangue no interior.  

Dois meses depois, não há pistas do paradeiro de Ricardo e Antonio, deixando ambas as famílias numa situação de absoluta angústia. Para elas, a Ternium está inevitavelmente envolvida no mistério. Recentemente, foram mencionadas suspeitas de ligações entre a empresa siderúrgica e o poderoso Cartel Jalisco Nueva Generación, um dos mais poderosos e influentes cartéis do mundo.

Recorde-se que, pouco depois dos desaparecimentos, a empresa respondeu às acusações num comunicado de imprensa, onde disse estar "a colaborar ativamente com as autoridades mexicanas, fazendo tudo [ao seu alcance] para encontrar as duas pessoas desaparecidas". A empresa mostrou-se "chocada" com os factos e expressou a sua "solidariedade" com as famílias de Antonio e Ricardo. "Negámos e rejeitámos publicamente qualquer especulação de que a Ternium ou Las Encinas estejam implicadas ou ligadas aos desaparecimentos".

Finalmente, o irmão de Ricardo, Antoine, implorou à empresa que utilize a sua influência comercial e política para garantir o regresso dos dois desaparecidos. "A Ternium é muito poderosa na região e opera numa região dominada pela violência e pelo conflito. É da sua responsabilidade respeitar os direitos humanos e reparar a comunidade destroçada", afirmou, agradecendo ao Luxemburgo por dar atenção ao caso.

(Artigo originalmente publicado no Virgule e adaptado para o Contacto por Maria Monteiro.)

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