UE quer travar preço da eletricidade e taxar lucros excessivos das empresas de energia
UE quer travar preço da eletricidade e taxar lucros excessivos das empresas de energia
Foi convocada ainda durante as férias para esta sexta-feira, 9 de setembro, uma reunião de emergência dos ministros da Energia, quando se percebeu que a inflação combinada com os preços galopantes da energia está a provocar um mal-estar incontrolável que percorre toda a Europa. Numa entrevista ao jornal Politico, o embaixador checo junto da União Europeia (UE) confirmou a inquietação palpável e disse que são necessárias “medidas urgentes para manter a confiança e garantir a paz social”.
“A inflação e os preços da energia estão a ter um impacto severo sobre os cidadãos e as empresas em toda a União Europeia”, disse Jaroslav Zajíček, que tem a responsabilidade, devido ao seu papel como o homem em Bruxelas da presidência checa da UE, de arregimentar o consenso das várias capitais em torno de uma resposta conjunta.
O inverno do descontentamento está a chegar
“Não há tempo a perder, temos que agir nos próximos dias ou semanas, e não meses, para encontrar soluções antes do inverno”, declarou Zajíček. Após a reunião da próxima sexta-feira, onde se espera que os ministros cheguem a acordo, será a vez de a Comissão transformar essas ideias em propostas concretas. Devido à urgência da situação, a Comissão poderá invocar o artigo 122 do Tratado de Funcionamento da União, que permite que medidas de emergência não tenham que ser aprovadas pelo Parlamento Europeu. É este o nível de gravidade com que é entendida neste momento a crise energética.
Num documento de preparação para a reunião de dia 9, elaborado pela presidência checa da UE, refere-se que apesar das medidas propostas pela Comissão no chamado RePowerEU, e a acrescer às medidas tomadas a nível nacional em vários países, é preciso ir mais longe, uma vez que a situação dos mercados de eletricidade se está a deteriorar: “Os parceiros sociais estão a exigir soluções a nível de toda a UE”. O documento sugere que se “limite temporariamente o preço do gás usado para a produção de eletricidade” e uma série de outras medidas. E foi enviado aos ministros europeus para consideração.
No entanto, adverte o documento, as medidas tomadas não deverão conduzir a um aumento do consumo de gás na Europa, terão que ser fáceis de implementar em toda a UE e deverão reduzir o impacto na fatura energética das famílias. Além disso, devem ser consistentes com os objetivos e a implementação do Pacto Ecológico Europeu. Curiosamente, ao mesmo tempo, esta semana começa uma série de reuniões de negociação entre o Parlamento, a Comissão e o Conselho sobre cinco diplomas do pacote Fit for 55, de transição energética, que inclui a mudança acelerada para as energias renováveis.
Mais de 30 dias de trabalho para pagar um ano de eletricidade
De uma forma pragmática, um relatório publicado esta terça-feira pela Confederação Europeia de Sindicatos (CES) - antecipando propositadamente o conselho de ministros de energia – demonstra que “a fatura média anual de energia é atualmente superior a um salário mínimo na maioria dos países da UE”. Ainda segundo a CES, no mês de julho a eletricidade subiu 38% na Europa, em relação ao mesmo mês do ano passado. E desde então os preços da eletricidade, e da energia em geral, continuaram a subir.
O estudo foi enviado para Charles Michel, Ursula von der Leyen e vários líderes europeus. Baseado nesse estudo, o CES faz aos líderes exigências como aumentos de salários, pagamentos de subsídios aos mais desfavorecidos, a proibição de desligar casas da rede elétrica quando não cumprem os pagamentos, a fixação de um limite máximo da fatura elétrica a pagar pelas famílias e o muito falado imposto aos lucros excessivos das empresas de energia. Além disso, a CES sugere que se abram linhas de apoio às empresas, tais como as que foram criadas para os confinamentos da Covid-19, incluindo a proteção de empregos em risco.
A secretária-geral da CES, Esther Lynch, salientou que “quando a fatura anual custa mais que um mês de salário, não há nenhum truque de poupança que faça diferença. Estes preços são agora simplesmente insuportáveis para milhões de pessoas”. A responsável lembrou que há pessoas que vão ter que decidir entre cozinhar ou aquecer a casa, porque não há dinheiro para tudo e “entretanto CEOs e acionistas de empresas energéticas estão a ter lucros gigantescos às suas custas [destes trabalhadores]”. “É imoral”, sustenta Lynch. “Chegou a altura de criar salários justos, um teto para preços de energia, impostos sobre lucros excessivos e apoios de emergência para as famílias desfavorecidas”, defende no documento de apresentação do estudo.
Fonte da revolta. 35 dias para um português, 65 para um checo
Com as suas conclusões, a CES criou uma tabela dos 16 países nos quais o valor do salário mínimo é inferior à fatura elétrica anual média de uma família. Em Portugal, a fatura média da eletricidade é de 950 euros, superior ao salário mínimo de 823 euros, o que significa que um trabalhador neste escalão salarial tem que trabalhar 35 dias só para pagar a conta anual da eletricidade.
A República Checa é onde os trabalhadores mais mal pagos sofrem mais: precisam de trabalhar 65 dias, mais de dois meses, para pagar as contas de eletricidade anual. Não é por isso de estranhar que no passado sábado, dia 3, cerca de 70 mil pessoas, segundo a agência Reuters, se tenham manifestado em Praga, exigindo ao governo o controlo dos preços da energia, bem como criticado as posições da União Europeia e da NATO.
É, provavelmente, este tipo de descontentamento que o embaixador checo vê em casa que receie que se espalhe por toda a UE, criando um movimento que faria com que os “gillets jaunes” do passado parecessem uma brincadeira de miúdos.
“Não há um dia a perder”, diz Charles Michel
Esta terça-feira, o comissário da Economia confirmou que a UE está perto de tomar as medidas, que seriam históricas, de pôr rédeas à “Big Oil” e “Big Gas”. Paolo Gentilloni disse à agência de notícias italiana ANSA que os países que não queriam criar impostos sobre os lucros marginais e impor um teto máximo de preços estão a perder argumentos. Entre eles, a Alemanha era um dos que mais se opunha à criação de impostos às empresas de energia, uma vez que isso tinha sido uma das promessas de campanha da coligação governante. Se isso acontecer, e ver-se-á na próxima sexta-feira, será, disse “uma grande oportunidade”.
Entretanto, comenta-se que Ursula von der Leyen irá apresentar o novo pacote de medidas energéticas no seu discurso de Estado da União, no Parlamento Europeu, a 14 de setembro. A presidente da Comissão gosta de usar esta ocasião solene, perante os eurodeputados, para fazer grandes anúncios, mas a pressão está a ser grande para fazê-lo antes disso. No passado sábado, o presidente do Conselho Europeu, numa entrevista a vários media europeus, disse que já não é possível esperar tanto tempo. “Não há um dia a perder”, disse Charles Michel.
E Charles Michel criticou ainda a Comissão – uma atitude rara da sua parte - por ainda não ter apresentado o pacote de medidas concretas para responder à crise dos preços de energia que estão a cair sobre as famílias e as empresas, que os chefes de Estado e de governo pediram.
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