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Os lucros obscenos das empresas de energia
Opinião Economia 4 min. 06.09.2022 Do nosso arquivo online
Crise energética

Os lucros obscenos das empresas de energia

Crise energética

Os lucros obscenos das empresas de energia

Foto: Fabrice Coffrini/AFP
Opinião Economia 4 min. 06.09.2022 Do nosso arquivo online
Crise energética

Os lucros obscenos das empresas de energia

Hugo GUEDES
Hugo GUEDES
Um lucro totalmente anormal, e imoral: provém da guerra. O que estamos à espera para o taxar?

O custo de não fazer nada. A característica que mais separa os bons dos maus decisores, os bons dos maus gestores, os bons dos maus políticos, é a capacidade de calcular as consequências da inacção - ou seja, de não tentar resolver um problema complicado. Parece simples, mas não é.

Desastre climático, paraísos fiscais, guerra, fome... Tantas e tantas vezes, as opções para enfrentar os problemas são consideradas impopulares, demasiado difíceis, ou muito caras. A opção dos maus políticos - aqueles a quem normalmente concedemos o poder, ou seja a responsabilidade também é nossa - é não tomar nenhuma opção; ir empurrando o problema com a barriga, escondê-lo por trás de alguma polémica estéril ou um jogo de futebol, e sobretudo não fazer absolutamente nada que possa incomodar alguma franja da população e pôr em risco as próximas eleições. 

Que espécie de líderes elegemos que preferem defender os lucros extraordinários e obscenos dos accionistas da EDP, da EDF ou da Shell?

Quem menos se desgastar na luta, quem adopte a pose majestática de flutuar acima dos problemas é quem é recompensado nas urnas; e o ciclo continua. Estou convencidíssimo que esta é uma razão central para o estado apodrecido do planeta em que vivemos.

A política do "deixar correr" atingiu o seu auge durante o longo reinado da "mamã" Merkel, e agora os problemas explodem-nos na cara. Durante 16 anos, ignorando todos os avisos e encolhendo os ombros perante as invasões da Geórgia (2008) e Crimeia (2014), a Alemanha andou a impor à Europa gasodutos russos, e não fez nada para reduzir a sua dependência energética. 

Os custos de não ter feito nada? Já os estamos a pagar, e ainda é só o começo. No dia em que escrevo, a Rússia fechou a torneira, os preços do gás subiram 30% para 272 euros por megawatt/hora (acima de 100 já se torna incomportável para a maioria dos cidadãos), o petróleo Brent voltou a subir, enquanto o euro atingiu o seu valor mínimo dos últimos 20 anos e as bolsas europeias também caíram.

Avizinham-se meses de penúria e frio para muitos – e os mais afectados, outra vez, serão os mais vulneráveis, os mais pobres, os que já têm casas mais frias e desconfortáveis. Está comprovada a relação entre a falta de aquecimento e várias formas de doenças respiratórias e mentais, afectando especialmente as crianças. Os efeitos sobre a situação económica de cada família são ainda mais directos, e já são muitas as histórias de pessoas que têm de cortar na comida para poder chegar ao fim do mês.

Entretanto... os tablóides podem fazer títulos bombásticos como "Energéticas ganham 30.000 euros por segundo!". Os fornecedores de energia, em conjunto, preparam-se para gerar mais de um milhão de milhões de dólares de cash flow, quase tanto como durante toda a década dos 2010s, estilhaçando todos os recordes históricos de lucro. 

Um lucro totalmente anormal, e imoral: provém da guerra. O que estamos à espera para o taxar? Que espécie de líderes elegemos que preferem defender, em vez do interesse público e da disponibilidade de bens essenciais como electricidade nas empresas e aquecimento nas casas das famílias, os lucros extraordinários e obscenos dos accionistas da EDP, da EDF ou da Shell?

Eu respondo: líderes compráveis. Mas ok, há alguma luz ao fundo do túnel. Vários países europeus já avançaram para medidas paliativas de apoio aos consumidores e, este fim-de-semana, o governo alemão anunciou justamente a imposição de um imposto extraordinário sobre o desregulado mercado energético. 

Esta é (mais) uma área em que teríamos todos a ganhar com mais Europa, porque só uma UE unida terá a capacidade de influenciar o mercado e defender os consumidores; neste momento isso não acontece – com os tratados actuais, os 27 ministros da energia de cada país têm de se reunir (fá-lo-ão na sexta-feira) e concordar com medidas que sejam aceitáveis por todos, o que as torna muitas vezes insuficientes.

Só que desta vez, isso não pode acontecer. Aprendendo que foi a inacção que nos trouxe a esta crise aguda, a Europa tem de concordar, avançar e agir decisivamente.

Taxar lucros extraordinários. Estabelecer limites máximos ao preço da energia. Separar o preço da electricidade do preço do gás. Ajudar aqueles que não podem pagar. Encontrar formas de consumir menos. Ontem... já foi tarde.

(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)

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