Roger Schmidt, o sucessor de Jupp Heynckes
Roger Schmidt, o sucessor de Jupp Heynckes
É raro, muito raro. Na história da 1.ª divisão desde 1935 até aos nossos dias, só um treinador alemão trabalha em Portugal. Chama-se Heynckes, Jupp Heynckes e é uma aposta de Vale e Azevedo para o Benfica no Verão de 1999. Campeão europeu pelo Real Madrid em 1998, o homem recebe os jornalistas portugueses em sua casa na Alemanha antes de assentar arraiais na Luz e, numa entrevista ao jornal Record, fala de Luís Carlos como referência.
Luís Carlos, o extremo do Salgueiros contratado na época anterior, ainda na era Souness. Como assim, Luís Carlos? (perdoem-nos a insistência) O Benfica reúne João Vieira Pinto, Nuno Gomes mais Poborsky e Heynckes nomeia Luís Carlos? Na mesma entrevista, dá um ar de sua graça com a expressão ‘não se mistura água com vinho’ numa alusão à fusão provocada por Souness de ingleses com portugueses.
A limpeza de balneário é uma realidade, zero ingleses no plantel. Dos sete reforços, três aterram na Luz com áurea de salvadores da pátria: o alemão Enke como substituto do reformado Preud’homme, o espanhol Chano como cérebro do meio-campo e o (outro) espanhol Tote como avançado com ‘golos nas botas’, nas palavras do próprio Jupp.
A este respeito, o da contratação de Tote, o Record (sempre ele) avança com uma manchete surreal: Benfica quer Totti. A conversa top secret é ouvida num restaurante e o desconhecido Tote, do Real Madrid B, é transformado em Totti, já então capitão da Roma e figura incontornável da seleçcão italiana sem queda por aventuras no estrangeiro como atesta a sua carreira 100% italiana, sempre na Roma.
Pois bem, Enke, Chano e Tote. E então? Dos três, só Enke está à altura do desafio. Chano desaparece ao longo do tempo, Tote nem sequer aparece por aí além – excepção feita a uma eliminatória da Taça de Portugal em que elimina o Torres Novas com um golo a nove minutos do fim (1:0 na Luz). E o Luís Carlos? É titular nas três primeiras jornadas e depois é relegado para o banco até sair de vez em Dezembro 1999.
E o Benfica de Heynckes, que tal? O arranque até é prometedor, com seis vitórias e dois empates nas oito primeiras jornadas. Pelo meio, duas eliminatórias europeias carregadas de suspense: uma resolvida na Roménia, vs Dìnamo Bucareste, outra em casa, vs PAOK, nos penáltis (duas defesas de Enke). Tudo tudo tudo corre bem. E nem a derrota por 3:1 em Alverca no final de Outubro rouba discernimento. O problema é o mês de Novembro, profundamente caótico. Ao 2:0 nas Antas segue-se o 7:0 em Vigo. De repente, adeus título de campeão e adeus Taça UEFA.
O mundo benfiquista desaba. Pior só mesmo o 3:1 do Sporting na Luz para a Taça de Portugal, em Janeiro. O Benfica é arrumado das três competições e ainda faltam quatro meses para acabar a época. Se a isto juntarmos um presidente pirómano, o resultado é catastrófico. As contas fazem-se no fim e toma lá disto: quarto lugar na 1.ª divisão, com sete derrotas, duas das quais seguidas (vs Belenenses na Luz e vs União em Leiria). Só se salvam dois resultados na segunda volta, as vitórias vs FC Porto e Sporting, ambas garantidas por Sabry, o reforço de Inverno.
E se o 1:0 na Luz anima a 1.ª divisão, no primeiro dia de Abril, o 1:0 no José Alvalade adia a festa do Sporting – no domingo seguinte, o 0:4 no Vidal Pinheiro faz soltar o grito de campeão ao fim de 17 anos. Segue-se o Verão quente. O capitão João Vieira Pinto sai do Benfica, a custo zero, escorraçado pelo presidente, com o okay do treinador. No quadradinho seguinte, é Nuno Gomes quem também sai, para a Fiorentina.
Quando se inicia a época 2000-01, Heynckes trabalha com a dupla Van Hooijdonk-João Tomás. Ao quinto jogo, na ressaca de dois empates na 1.ª divisão e uma derrota europeia inesperada na Suécia vs Halmstads, o treinador alemão é despedido da Luz com lenços brancos na sequência de um apertado 2:1 vs Estrela e demite-se em plena conferência de imprensa. Ao todo, Jupp ganha só 27 jogos em 48.
Vem agora o segundo alemão na história benfiquista. Roger Schmidt, contratado ao PSV Eindhoven, pertence à escola alemã criada por Christian Gross, juntamente com Nagelsmann, Ranginck e Tuchel. Quem é Gross? Ora bem, temos de recuar até ao século passado para relembrar às pessoas a importância da excelência do futebol alemão com a figura do líbero, mundialmente famosa com Beckenbauer no Mundial-74 ou Sammer no Euro-96 (ambos Bolas de Ouro).
O modelo é copiado em todo o mundo e, depois, como qualquer movimento táctico, é devolvido à natureza-mãe como produto obsoleto. Só os alemães recusam a linha defensiva de quatro e continuam apoiados no líbero. E então? É uma catástrofe. No Mundial-98, com Matthäus, a Alemanha é varrida do mapa pela Croácia nos ¼ com 3:0. Dois anos depois, no Euro-2000, ainda com Matthäus, a Alemanha é varrida do mapa por Portugal, ainda na fase de grupos, novamente por 3:0 (hat-trick de Sérgio Conceição).
Pelo meio, há um jogo importante na desconstrução do mito do líbero. Em Fevereiro 2000, a Alemanha combina um particular vs Holanda e o seleccionador teimoso Erich Ribbeck recua Sebescen, do Wolfsburgo, para líbero. Como se isso já não fosse mau o suficiente, a palestra é desastrosa. ‘Estejam atentos ao gajo do Real Madrid, gosta de se mexer no meio’.
O gajo é Zenden, extremo-esquerdo do Barcelona. Got it? Extremo e Barcelona. Resultado final? 2:1 para a Holanda, com golo e assistência de Zenden. Ao intervalo, Sebescen é substituído. E nunca mais joga na selecção. Ribbeck ainda se aguenta até ao tal hat-trick de Conceição. É o fim do líbero e o início da marcação à zona mais pressão alta, atitudes de jogo já evidenciadas por Ralf Rangnick no modesto Ulm, então na 2.ª divisão. Em Dezembro 1998, Rangnick vai ao canal televisivo ZDF e fala sobre a necessidade de mudança no futebol alemão. ‘O nosso futebol parou nos anos 70 e tem de evoluir sob o risco de sermos batidos pela concorrência, seja Espanha e Itália, seja Suíça.’ Ribbeck reage mal e deita abaixo Ralf. ‘Foi um sermão sem sentido, deram espaço mediático a uma pessoa que tratou os treinadores da Bundesliga como autênticos idiotas’. Até Beckenbauer dá uma bicada. ‘Essa conversa sobre esquemas tácticos é non-sense, só temos de continuar a jogar como até aqui para sermos bem-sucedidos.’ Errrrrr.
Então e quem é Gross? Muito bem, é um engenheiro de pontes com 35 anos de idade. O seu melhor amigo é do Estugarda, adepto fanático. As conversas sobre futebol animam Gross, ao ponto de ver um jogo ao vivo do Estugarda, ainda com líbero. Em 1981, Gross aventura-se no futebol e toma conta do Geislingen, um clube amador da sua cidade-natal na 6.ª divisão da Alemanha. O seu estilo é o da Holanda de Ernst Happel do final dos anos 70 (sem Cruijff, portanto) e o da Bélgica de Guy This no início dos 80. Ambas as equipas jogam para a frente, com pressão alta e offside trap (armadilha do fora-de-jogo).
Na opinião de Gross, os seus jogadores não se podem cansar atrás dos adversários e têm de focar na bola, sempre. E começa a trabalhar a equipa em 4-4-2. Três anos depois, já sem Gross, o Geislingen elimina o Hamburgo de Happel na Taça da Alemanha por 2:0. A estrela maior desse Hamburgo, o 10 Felix Magath, ‘Foi verdadeiramente incrível, eles vinham até nós como abelhas e estavam sempre em vantagem numérica.’ Na altura, já Gross está no Kirchheim, outra equipa amadora e a última da sua curta carreira. Em 1987, o Dínamo Kiev do lendário Lobanovski joga vs Kirchheim, durante um estágio de Inverno, e só empata 1:1. Lobanovski está de boca aberta. ‘Eles jogam como o Dìnamo Kiev, como é possível?’
Em 1989, Gross é nomeado coordenador da formação do Estugarda e chama Rangnick para treinar os sub19. Rangnick é campeão nacional dos juniores e, acto contínuo, vai buscar Tuchel para espalhar o conceito de Gross. O resultado é glorioso, porque nasce uma nova geração de treinadores com o modelo Gross na cabeça. Klopp, por exemplo, Klinsmann, outro. Tedesco, mais um. Nagelsmann, idem idem. Schmidt, aspas aspas.
Calendário (entre parêntesis, a posição final na época passada)
Hoje
Benfica (3)-Arouca (15)
Amanhã
Rio Ave (1 da 2.ª) -Vizela (14)
Estoril (9)-Famalicão (8)
FC Porto (1)-Marítimo (10)
Domingo
Sta Clara (7)-Casa Pia (2 da 2.ª)
Braga (4)-Sporting (2)
Chaves (3 da 2.ª)-Vitória SC (6)
Portimonense (13)-Boavista (12)
2.ª feira
Gil Vicente (5)-Paços (11)
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