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Portugal, está na hora do checo-mate
Desporto 6 min. 09.06.2022 Do nosso arquivo online
Liga das Nações

Portugal, está na hora do checo-mate

Adeptos assistem ao jogo dos quartos-de-final entre República Checa vs Portugal, no Euro 2012, que ditou a vitória da seleção lusa.
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Portugal, está na hora do checo-mate

Adeptos assistem ao jogo dos quartos-de-final entre República Checa vs Portugal, no Euro 2012, que ditou a vitória da seleção lusa.
Foto: Homem de Gouveia/Lusa
Desporto 6 min. 09.06.2022 Do nosso arquivo online
Liga das Nações

Portugal, está na hora do checo-mate

Rui Miguel Tovar
Rui Miguel Tovar
Noite de festa pela 100.ª internacionalização de Fernando Santos, na 3.ª jornada da Liga das Nações.

Antes é Checoslováquia, depois República Checa, agora Chéquia. Seja qual for o nome, a capital mantém-se Praga. Seja qual for o nome, a táctica é quase sempre o futebol à flor da relva, próprio de intérpretes de fino recorte técnico, como Panenka, Bilek, Poborsky e Nedved. Há excepções, claro – como no último jogo entre eles, no Euro-2012, em que os checos entregam a bola a Portugal e limitam-se a usar o físico para impedir o inevitável dois-em-um: vitória com golo de Ronaldo (1:0).

Para trás, há toda uma linha temporal de proezas inacreditáveis e golos improváveis entre as duas selecções, em Portugal. A tudo isso acrescente-se já hoje outro momento alto, a 100.ª internacionalização de Fernando Santos. A tal linha temporal começa há quase 100 anos, mais precisamente em 1926. Grande azáfama no Ameal para o primeiro jogo internacional do Porto, com uma corrida impensável aos bilhetes a resultar na receita recorde de 87 contos nos cofres da federação. 

O apoio popular no norte do país é vigoroso e disso se dá conta a selecção, empurrada pelas dez mil pessoas desde a entrada em campo. O aparato é colossal, a avaliar pela presença de 43 fotógrafos a acotovelarem-se pelo melhor boneco. Pela primeira vez na história, zero jogadores do Benfica na selecção. E também zero no FC Porto. Do Sporting, só dois: o estreante Cipriano e o capitão Jorge Vieira. Aliás, o onze é uma festa colorida e corre o país de lés a lés, entre Braga e Olhão. E a bola? Bom jogo, com dois golos na segunda parte. O de Portugal é uma acção pela esquerda conduzida por Armando Martins, seguida de um passe longo para a direita, onde João dos Santos está solto. Acaba 1:1.

O segundo capítulo é logo em 1930. Com Laurindo Grijó à frente dos destinos da selecção, Portugal brilha no Lumiar com uma qualidade futebolística acima da média. O 1-0 até é curto para a produção ofensiva. Além do golo de Pepe, os portugueses falham oportunidades atrás de oportunidades, como o penálti de Valdemar para excelente defesa de Staplick – o melhor checoslovaco de longe, a quilómetros de distância dos reputados Svoboda e Puc, pouco activos por força de uma marcação exemplar de Serra e Moura, capitão da selecção e sócio número 123 do Sporting ou vice-versa. Também Carlos Alves (o luvas pretas) e Francisco Silva (estreante) exibem-se em plano estratosférico numa tarde em que o público se reconcilia com o futebol.

Passam-se 35 anos até ao próximo encontro. Estamos em 1965 e quem diria, hein?! Para uma selecção sem qualquer presença em Mundiais, de repente Portugal vê-se a um passo do Mundial-66. Um ponto à falta de duas jornadas é o suficiente para Portugal acabar o grupo 4 em primeiro lugar. A federação marca o jogo para as Antas, no Porto, onde a alegria popular é mais efusiva. 

A Checoslováquia, em vantagem na diferença de golos, sobretudo após o 6-0 na Turquia, está obrigada a ganhar para adiar o inevitável. Nada feito, Portugal joga pelo resultado e começa como acaba. Zero-zero. O guarda-redes Vencel faz três boas defesas, enquanto Carvalho segura o nulo aos 76 minutos com um voo sensacional ao ângulo superior num pontapé de Vesely. Pela primeira vez de sempre, Portugal está num Mundial. O árbitro holandês Leo Horn, o da final europeia entre Benfica e Real Madrid em 1962, não está nem um pouco convencido. "Gostei mais do Benfica do que da selecção."

Na década seguinte, em 1975, outro 1:1. Pago a peso de ouro. A gente explica: setenta contos é o valor pago pela federação ao PSG pela convocatória do central Humberto Coelho para o tudo ou nada: à Checoslováquia basta-lhe o empate e a Portugal só interessa a vitória. Que nos foge na primeira jogada de perigo. Quer dizer, aquilo não é perigo nem é mau. Uma bola bombeada para a área, Rebelo chuta para trás, Damas soca o ar e Ondrus aproveita para silenciar as Antas. Ainda faltam 84 minutos e a malta já anda de mau-humor. 

Só que Moinhos revolta-se contra esse estado de espírito e mexe com a defesa checoslovaca. No minuto seguinte, um passe de bandeja da sua autoria apanha Nené em situação de golo. Meu dito, meu feito e 1-1. A bola vai ao meio e já está na área deles, com queda de Octávio. O árbitro holandês apita penálti. Reacende-se a esperança. Em vão. Nené atira uma brasa à trave, digna de um pau de arara da 3.ª distrital. Adeus Euro-76 – curiosamente conquistado pela Checoslováquia, com um penálti de Panenka vs RFA, em Belgrado.

Avançamos mais uma década, gloriosos 80'. É o apuramento para o Mundial-86 e Portugal arranca bem, muito bem, com quatro pontos em dois jogos. Vem aí a Checoslováquia, cheia de calmeirões. E então? A vitória na Luz começa a desenhar-se com uma jogada de encantar, de uma área à outra, desde João Pinto até ao mergulho em voo de Diamantino, com Carlos Manuel e Jaime Magalhães no trato especial da bola. 


Conta-me como foi da bola
Efemérides e histórias caricatas do futebol pelo jornalista Rui Miguel Tovar.

O empate chega num momento em que Portugal convive com a lesão do herói do 1:0. De facto, Diamantino está fora do relvado e prepara-se Futre para entrar. Nesse vai-não vai, os checos adiantam-se no terreno e Janecka desmarca-se pela direita. Só com Bento pela frente, engana-o bem. Os portugueses protestam airosamente um fora-de-jogo não detectado pelas imagens da RTP. O início da segunda parte é o golo de Carlos Manuel, num livre indirecto na zona frontal. A incerteza do resultado é uma certeza, o que leva Torres a comentar de forma original: "Chegamos aos 50 anos com um coração de 80."

O último registo de um jogo entre portugueses e checos em Portugal é em 1989, para a última jornada do Mundial-90. Obrigada a vencer 4:0 para ir à Itália, a selecção portuguesa falha rotundamente. Quer na goleada, quer até na simples vitória. O desânimo é total e Juca é apontado como o culpado, daí que tenha saído da Luz pela porta dos fundos. Isto depois de ter sido presentado com laranjas, garrafas de água e afins desde as bancadas, fruto de muito nervosismo por parte dos adeptos. A Checoslováquia controla o jogo de fio a pavio. Nos festejos, o seleccionador Venglos é levado em ombros pelos jogadores. Um deles (Chovanec) é a cara do contentamento. "Estamos no Mundial, cumpri o sonho da minha vida. Que pena Portugal não estar em Itália." Já a Imprensa checa não deixa de alertar: "A Checoslováquia necessita de melhorar no ataque, precisamos de um Futre."

E agora? A Chéquia salta entre a surpresa (¼ final do Euro-2021) e o anonimato (eliminação no play-off para o Mundial-2022, vs Suécia). Na Liga das Nações, imita Portugal nos resultados com vitória vs Suíça e empate vs Espanha.

(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)

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