Os 50 anos da Minicopa
Os 50 anos da Minicopa
A carreira da selecção portuguesa em 100 anos de vida inclui três finais, a do Euro-2016, a do Torneio Skydome-1995 e a da Minicopa-1972. Faz agora meio século a epopeia de Portugal no Brasil. Tudo começa na tarde de 4 Junho, no Jamor. É a final da Taça de Portugal entre Benfica e Sporting. Com 30 anos de idade e seis operações ao joelho esquerdo, Eusébio aventura-se com um hat-trick no 3:2 após prolongamento. No relvado, o saudoso jornalista Fialho Gouveia chama-o e ele, o King, lá vem de camisola verde e branca vestida.
– Eusébio não fez um dos seus grandes jogos mas, uma vez mais, esteve em foco. E bem, porque foi o autor dos três golos. Impressões do jogo?
– [com um sorriso aberto] Jogámos bem (...) e o terceiro golo acabou com o Sporting. Foi um livre em que eu até disse ao Humberto [Coelho] que ia ser golo porque não podíamos vir cá na terça-feira [eventual finalíssima], o dia em que vamos para o Brasil, para a Minicopa.
Ei-la, a Minicopa. Como o nome indica, é um Mundial mais curto. Só 20 selecções, a maioria delas de enorme gabarito, a começar no anfitrião Brasil. Que comemora os 150 anos de independência, daí o evento com toda a pompa e circunstância merecidas. Portugal é um dos convidados e será um dos mais dignos representantes com um futebol vistoso. O Equador sente precisamente esse ascendente, em Natal, à conta de uma exibição imparável de Toni com assistências para Eusébio e Nené, sem esquecer o lançamento longo na direcção de Peres, cujo amortie é concluído facilmente por Dinis à boca da baliza.
Três dias depois, no dia 14 Junho, o Irão apanha 3:0 no Recife. Sem forçar o ritmo por aí além, já há 2:0 à meia-hora. De Natal para Recife, o 4-2-4 de José Augusto joga maravilhas e recreia-se com a bola entre todos os sectores. Eusébio abre a conta e Dinis aumenta a vantagem em recarga a uma bola à barra de Peres, a 25 metros da baliza de Hedjazy. O 3-0 é do central Humberto Coelho, na sequência de um canto.
Siga a marinha, segue-se o Chile e toma lá 4:1. O abre-latas é o central Humberto Coelho, numa saltada até à área contrária. Mais golos só na segunda parte. Uma chuva de golos, aliás. A condizer com as condições atmosféricas em Recife. Mais uma vez, Dinis e Eusébio entendem-se de olhos fechados e facturam. Pobre Vallejas. Antes, José Henrique sofre o primeiro golo do torneio. E evita um ou outro. Pormenor: com a saída de Dinis aos 67 minutos, o sportinguista Peres é o único não-benfiquista em campo.
Para fechar a fase de grupos, Portugal volta a dar que falar com 2:1 vs Irlanda. E debaixo de um coro de assobios do público pernambucano, a cada toque de bola de Eusébio. O jogo resolve-se em três minutos apenas, com a categoria superior de Peres, o único não-benfiquista no onze de José Augusto. É dele o 1:0 num esplêndido remate a 35 metros da baliza de Kelly e é também dele o passe de 40 metros para a desmarcação de Nené. Solto, o avançado corre e faz um belo lençol à saída do keeper. A bola vai ao meio e dá-se o golo irlandês, sem hipótese para José Henrique – que seria substituído por Mourinho, a nove minutos do fim. Na chegada ao hotel, o guarda-redes belenense faz uma chamada intercontinental para Setúbal. A sua mulher aguarda-a para saber de novidades sobre a estreia.
Apurado para a segunda fase de grupos, Portugal transfere-se para o Maracanã e dá um banho de bola à Argentina com a estonteante dupla de avançados Eusébio-Dinis. A química é impressionante. Se juntarmos Jordão, está o caldo entornado. É verdade que não marca, só que atira uma bola ao poste aos 5’ e outra à barra, aos 87’. Pelo meio, Adolfo, Eusébio e Dinis fixam o 3:1. Já estamos em Julho e, pela primeira vez, Portugal é travado. Culpa da violência extrema do Uruguai. Diz o guarda-redes José Henrique, autor de um senhor frango no 1-0 de Lattuada: "São umas bestas." O central Humberto Coelho fala de um futebol "impróprio para consumo", o outro central (Messias) descreve-os como "os mais ordinários" e o lateral-esquerdo Adolfo como "pugilistas". Está traçado o retrato. Salva-nos Jaime Graça. Na folga goleadora de Eusébio e Dinis, é um remate seu do meio da rua a fixar o 1:1.
Um salto do Rio de Janeiro para Belo Horizonte e eis-nos na final da Minicopa, com a vitória sobre a URSS por 1:0 num jogo sem interesse. Para piorar o cenário, a actuação dos intérpretes é prejudicada por um relvado a precisar de obras urgentemente. De bom, só o apoio constante dos adeptos no Mineirão, dos quais a esmagadora maioria torce por Portugal, fossem portugueses de gema ou brasileiros a desejar uma final entre Brasil e Portugal. O teimoso nulo só se desfaz por culpa de um desencontro de ideias entre o capitão Jouravlev e o guarda-redes Traschenko, bem aproveitado pelo sagaz Jordão.
Aì está o que é, uma final entre Brasil e Portugal no dia 9 Julho, em pleno Maracanã. Antes do jogo, uma novidade: o árbitro toma nota junto dos capitães dos cinco marcadores de penálti das duas selecções, caso o empate se mantenha ao fim de 120 minutos. Tal não é necessário, muito embora o nulo resista até ao último suspiro, altura em que Adolfo faz uma falta escusada sobre Jairzinho na linha de fundo, junto à área. Rivellino marca o livre com a categoria que se lhe reconhece e José Henrique sai-se mal, muito mal da baliza. Aproveita Jairzinho para cabecear com êxito. Está feito o 1:0. Portugal, que começara o jogo debaixo de uma vaia monumental, acaba aplaudido de pé pelos adeptos brasileiros, rendidos ao nosso futebol num jogo bastante político, como já é costume: "Vitória da antiga colónia contra a Metrópole".
(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)
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