O engenheiro que sonha com novos caminhos para o mundo português festejar
O engenheiro que sonha com novos caminhos para o mundo português festejar
Se alguma dúvida existe à volta do comportamento que pretende da equipa portuguesa, a resposta está na forma como Fernando Santos encara a ideia de que o estatuto de campeão europeu pode representar algo de diferente para a seleção portuguesa. “Não, os estatutos não existem, não me dou muito bem com essa coisa dos estatutos. Ninguém ganha com e por estatuto – ganha-se em campo, sendo melhores do que os adversários e correndo tanto como eles”.
Desta maneira desassombrada respondeu o selecionador em entrevista ao Contacto publicada no início do ano. E disse mais para deixar bem vincado aquilo que pretende: “O mais importante é esquecer o estatuto, é conseguirmos colocar-nos ao nível deles em tudo aquilo que é o trabalho. O estatuto o que faz é que menosprezamos o adversário e pensamos que a qualidade, por si só, pode ganhar o jogo. E não ganha. É preciso equilibrar a balança em todos os outros níveis: concentração, estratégia, organização. Depois, então sim, podemos fazer prevalecer aquilo que é a nossa mais-valia”.
O lote de 23 jogadores que Santos escolheu para este Mundial (ver infografia na página ao lado) deve ser um espelho das suas ideias e replicar o espírito que marcou a seleção não só no caminho para o título europeu, mas também na qualificação para o Mundial e na Taça das Confederações. União, organização, solidariedade e cabeça fria são alguns dos aspetos que o treinador não se cansa de pedir que os jogadores revelem em campo e não só.
A abordagem ao Mundial, conforme não se cansou de repetir, deve ser feita com base no estudo rigoroso dos adversários, no princípio de que não podem ser subestimados e na procura constante de soluções que permitam causar surpresa. Como no Europeu, uma equipa bem organizada, com um modelo de jogo estruturado e diferentes opções para criar desequilíbrios, não vivendo apenas do peso específico de Cristiano Ronaldo, será meio caminho andado para vencer mais vezes.
À partida, Santos evitou usar o título europeu como cartão de visita. Elogiou os adversários da fase de grupos – “toda a gente conhece a valia dos jogadores espanhóis; Marrocos a ter muito em conta, não só por aquilo que fez durante um apuramento em que não sofreu golos, mas também porque muitos dos seus jogadores atuam em grandes equipas europeias; e o Irão, orientado pelo Carlos [Queiroz] e que, no último Mundial, discutiu o apuramento até à última jornada da fase de grupos, é uma equipa difícil” – e traçou a chegada aos oitavos-de-final como primeira grande meta.
Penas, decisões e uma diferença essencial
Em sinal de respeito por quem tanto o ajudou em 2016, o engenheiro que ensinou o mundo português a celebrar reconheceu que, no processo de escolha dos 23 para este Mundial, deixar de fora 10 campeões europeus lhe causou impressão. Sobretudo no caso de Éder, autor do golo que entregou o título europeu a Portugal. Mas, com o longo percurso que tem no futebol e na vida, Santos sabe há muito que tomar decisões tem associada essa componente de mágoa e insatisfação à sua volta.
No caminho até à vitória da final com a França, o técnico foi muitas vezes criticado pela falta de qualidade de jogo da seleção nacional. Nas ocasiões que considerou mais adequadas, Fernando Santos defendeu que Portugal jogava bem, mas isso é diferente de jogar bonito – no primeiro caso, está em causa a eficácia do desempenho da equipa, seja a defender, seja a atacar. E o selecionador, tal como tem sido afirmado por muitos opositores diferentes, foi capaz de construir um coletivo forte e ao qual é difícil marcar golos. No segundo caso, trata-se de uma questão estética e o selecionador diz que, por vezes, confunde-se “jogar bem ou mal com jogar bonito ou feio”.
Quanto a candidaturas ao título, o tom cauteloso nunca foi abandonado. Voltando à entrevista de janeiro, recupera-se a opinião de Fernando Santos: “A seleção é aquilo que se afirmou já no Campeonato da Europa, as circunstâncias não mudaram, continuo a dizer o que afirmei há três anos: Portugal, ao contrário de outras equipas, não é favorito. Nas casas de apostas, essas equipas vão ter prevalência”.
Mas a seleção nacional conhece o seu papel. “Depois, há um conjunto de equipas, entre as quais está Portugal, que têm o desejo natural e a ambição de lutar pela vitória. Para mim é inequívoco que Portugal é candidato a lutar pela vitória e é nessa condição que vou à Rússia. Agora, não sou favorito, nem podem pôr essa responsabilidade em cima da equipa nacional, porque isso não é verdade. Haverá exigências colocadas à equipa nacional? Muito bem, isso é normal”.
A importância e o exemplo do passado
Com tanto que se passou desde então, muitos já esqueceram como foi a chegada de Fernando Santos ao comando técnico da seleção nacional. Na ressaca da derrota em casa com a Albânia, Paulo Bento saíra e o presidente da Federação, Fernando Gomes, escolheu Santos para ocupar a vaga. Porém, o ex-selecionador da Grécia vinha de uma expulsão nos oitavos-de-final do Mundial com a Costa Rica, algo que lhe custara um castigo de oito jogos.
Entre críticas e incompreensões, foi preciso mostrar determinação e espírito combativo para suspender a pena, estar no primeiro jogo com a Dinamarca, recorrer da decisão e enfrentar os dois jogos de castigo (com outros dois de pena suspensa) ditados pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAS). Ultrapassado o castigo, conseguido o objetivo de estar no Europeu, ganho o título, a unanimidade ficou mais próxima pela via dos resultados. Na sua quarta presença em fases finais (duas no Euro, duas no Mundial), Santos sonha com a possibilidade de voltar a criar a festa em português.
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