No Luxemburgo, o Benfica morreu
No Luxemburgo, o Benfica morreu
O anúncio chegou no fim de maio e, para mim, tem contornos de tragédia. O Benfica, tal como o conhecemos, morreu. As coisas já não andavam a correr bem há algum tempo, mas agora a certidão de óbito está definitivamente declarada. O FCRM Hamm Benfica terminou o campeonato luxemburguês no último posto, desceu de divisão e os sócios decidiram em assembleia geral mudar o nome ao clube. Então morreu o Benfica e nasceu o FC Luxembourg City.
No Luxemburgo, o Benfica era Benfica desde 2004. Andava Portugal a organizar um campeonato europeu de futebol para a Grécia ganhar quando dois clubes da capital – o FC Hamm 37 e o Rapid Mansfeldia 86, de Clausen – se fundiram e ocuparam o estádio de Cents. Um acordo de associação ao clube português explica-lhe o nome – e em 2013 especulou-se se Mantorras não viria terminar aqui a sua carreira. Nunca aconteceu.
(...) a morte do clube é uma tragédia. Mas, na verdade, não o é apenas para os adeptos encarnados – é uma desgraça portuguesa.
Não se pode dizer que, no Luxemburgo, o Benfica tenha sido um estrondo. A melhor classificação que alcançou na Liga foram dois quintos lugares, em 2009/10 e 2012/13. Na Taça, nunca foi além dos oitavos de final. E a última época foi uma verdadeira hecatombe. Em 31 jogos, teve 29 derrotas, uma vitória e um empate (ambos contra o Victoria Rosport). A equipa marcou 13 golos e sofreu 105. Foi goleado por nove a um em casa e três vezes por sete a zero – duas partidas fora e uma em casa. Eu fui a Cents assistir a esse jogo em que o Fola Esch destruiu a defesa encarnada. Foi um jogo desencantado para uma época terrível.
Para quem é benfiquista com todas as células, a morte do clube é uma tragédia. Mas, na verdade, não o é apenas para os adeptos encarnados – é uma desgraça portuguesa. O desaparecimento do Hamm Benfica é o derradeiro golpe à memória da antiga Liga Portuguesa de Futebol no Luxemburgo, que chegou a contar com 36 clubes e três divisões. Nas cidades do Grão-Ducado formaram-se clubes chamados Sporting e Porto, Braga e Tondela, Leixões e Chaves, Tirsense, Estoril e Estrela da Amadora.
O campeonato português durou de 1978 a 2006. Morreu por decreto luxemburguês, quando a federação começou a exigir aos clubes que tivessem campos próprios. Há uns anos escrevi uma reportagem sobre o assunto e o historiador Jean Ketter explicou-me que as autoridades do Luxemburgo se tinham assustado com a dimensão que as coisas estavam a tomar. Três divisões para três dezenas de equipas, equipas de arbitragem vindas de Portugal, jogadores contratados aos clubes mais pequenos da I Liga Portuguesa – tudo isso estava a criar um circuito fechado, não uma ferramenta de integração. Foi esse, pelo menos, o argumento oficial.
Alguns clubes portugueses fundiram-se nos anos seguintes aos luxemburgueses, mas aos poucos foram definhando e tornando-se pouco mais do que memórias. Os clubes do país encheram-se por sua vez de jogadores com apelidos lusos. E a verdade é que, em Hamm, o Benfica representava o último capítulo da resistência do futebol português no Grão-Ducado. Agora que caiu o pano e se fecha a cena, os vestígios dessa festa desaparecem de vez. Não foi só o Benfica que morreu. Foi um sonho antigo de bola.
(Grande Repórter)
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