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Gomes, o bibota
Desporto 5 min. 11.02.2023
Sporting vs FC Porto

Gomes, o bibota

O jogador do FC Porto, Fernando Gomes, durante um jogo com o Sporting, em Alvalade, em 1985.
Sporting vs FC Porto

Gomes, o bibota

O jogador do FC Porto, Fernando Gomes, durante um jogo com o Sporting, em Alvalade, em 1985.
Foto: Acácio Franco/Lusa
Desporto 5 min. 11.02.2023
Sporting vs FC Porto

Gomes, o bibota

Rui Miguel Tovar
Rui Miguel Tovar
Domingo há Sporting e FC Porto, o clássico do goleador ímpar Gomes.

Gomes, Fernando Gomes. Mais conhecido como bibota. Só bibota. O d’ouro é um sufixo em forma de pleonasmo. Toda a gente sabe, é da praxe: bibota é d’ouro. Melhor marcador da Europa em 1983 e 1985, Gomes é ainda seis vezes o melhor marcador da 1.ª divisão portuguesa (o recorde é de Eusébio, sete).

Golos é com ele, seja no FC Porto ou nos Sportingues da sua vida, o de Gijón, primeiro, e o de Portugal, depois. Em ambos os casos, duas épocas em cada um. O de Gijón veste vermelho, o de Portugal é mais verde. Puro contraste com o azul de (quase) toda uma vida. O homem é do Porto, nascido e criado na Campanhã, e equipa-se à FCP desde as camadas jovens. Os desvios da narrativa devem-se a convulsões políticas dentro do clube. A fuga para Espanha é culpa do Verão quente em 1980, a saída para o Sporting é provocada por um desabafo corrosivo na direcção do então adjunto Octávio Machado. Fora esses parêntesis, Gomes é do Porto e vice-versa.

A ligação começa aos 17 anos de idade e é de sonho. O miúdo joga e marca os dois golos da vitória vs. CUF (2:1). Dez dias depois, o primeiro golo internacional, vs. Wolverhampton, para a Taça UEFA. Até final dessa época 1974-75, mais 12 golos. Na época seguinte, já com o jugoslavo Branko Stankovic a treinador, Gomes comete a proeza de marcar três golos saído do banco de suplentes. É nas Antas, vs. União de Tomar (6:1).

Foto: DR

O Verão de 1976 é o da chegada de Pedroto e o FC Porto cresce a olhos vistos. Gomes, então, nem se fala: voa. Na primeira época, é o melhor marcador da 1.ª divisão e decide a final da Taça de Portugal com um golo vs. Braga (1:0). A Bola de Prata é reconquistada em 1977-78, ano em que o FC Porto acaba com o jejum de 19 anos sem se sagrar campeão nacional. Na tarde da consagração, vs. Braga (4:0), Gomes marca dois. Como não há duas sem três, Gomes faz hat-trick na Bola de Prata – ao nível de um tal Eusébio.

De 1980 até 1982, Gomes emigra para Espanha, o tal desafio em Gijón, onde até marca ao Barcelona e chega à final da Taça do Rei, perdida para o Real Madrid. O regresso ao Porto é glorioso, com 198 golos em 260 jogos. Logo na primeira época, em 1982-83, toma lá dois títulos: o de melhor marcador nacional e europeu. Trinta e seis golos é uma fartura. Das 15 equipas concorrentes da 1.ª divisão, só não consegue marcar ao Benfica. Em 1983-84, mais uma Bola de Prata e a notável campanha até à final da Taça das Taças, ganha pela Juventus em Basileia. O sonho europeu adia-se três anos, até 1987 – pelo meio, passa a ser o bibota com a espantosa marca de 39 golos em 30 jogos; para entendermos a dinâmica avassaladora, apenas o Sporting escapa ao seu apetite voraz durante a segunda volta (21 golos).

Taça dos Campeões, 1987. O Porto chega à final, Gomes marca o primeiro golo da campanha europeia (9:0 vs. Rabat Ajax, em Vila do Conde) e o último (2:1 vs. Dínamo, em Kiev) até Viena. Num dos treinos antes da final, Gomes estica-se para marcar golo e parte a perna. O infortúnio leva-o às lágrimas, evidente. A recompensa está guardada para Dezembro, quando levanta a Taça Intercontinental como capitão (2:1 vs. Peñarol em Tóquio, num relvado coberto de neve).

No quadradinho seguinte, que é como quem diz no mês seguinte, Gomes é persona non grata para o treinador jugoslavo Tomislav Ivic, o tal da frase "Gomes? Finito!". O ambiente piora radicalmente na época seguinte numa azeda troca de palavras com Octávio Machado num célebre jantar na Madeira. Ao "tu não mandas nada aqui" do adjunto de Artur Jorge, responde o capitão "palhaço e bufo dos tempos do senhor Pedroto". Toma lá um processo disciplinar. Está aberta a porta de saída do FCP.

Em tempo de eleições presidenciais no Sporting, o excêntrico Sousa Cintra vê ali uma oportunidade de ouro para ganhar prestígio junto da massa e contrata Gomes. Ele é um dos três reforços internacionais, a par do guarda-redes Ivkovic e Luisinho. Aos 32 anos de idade, a qualidade está lá. Intacta. Que o diga Ivkovic, seu companheiro de quarto do primeiro ao último dia. "O que mais me lembro do Gomes é parecido com o lema do Sporting: esforço, dedicação, devoção e glória. Quando o Manuel José foi despedido do Sporting, a meio da época 1989-90, veio o Raul Águas, que apostou em Paulinho Cascavel e Cadete, deixando Gomes no banco. Com tudo aquilo que já tinha feito no FC Porto e na selecção [Euro-84, Mundial-86], nunca refilou nem praguejou. Trabalhou, trabalhou, trabalhou e foi recompensado. Voltou à equipa e, genial, marcou seis golos na parte final dessa época."


Conta-me como foi da bola
Efemérides e histórias caricatas do futebol pelo jornalista Rui Miguel Tovar.

Em 1990-91, marca mais cinco até à ½ final da Taça UEFA, além dos 22 na 1.ª divisão, só superado por Rui Águas (Benfica, 25) e Domingos (Porto, 24). Como se isso fosse pouco, assiste às estreias de Figo e Balakov. Na despedida oficial, a 26 Maio 1991, no José Alvalade, vs. Gil Vicente, é dele o 2:0 final. Com a glória de sempre. Ao todo, 317 golos na 1.ª divisão. Ainda hoje, é o terceiro melhor registo de sempre, só atrás de Peyroteo (331) e Eusébio (320). Em matéria de jogos, mais de 600 sem ver um único vermelho. "Sempre fui de ajudar a equipa. Quanto menos falasse, mais jogava."

(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)

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