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A história de amor e ódio entre JPV e Paulinho Santos
Desporto 6 min. 14.02.2023
Histórias da Bola

A história de amor e ódio entre JPV e Paulinho Santos

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A história de amor e ódio entre JPV e Paulinho Santos

Foto: Marcos Borga/Lusa
Desporto 6 min. 14.02.2023
Histórias da Bola

A história de amor e ódio entre JPV e Paulinho Santos

Rui Miguel Tovar
Rui Miguel Tovar
Há duplas e duplas de sucesso. No desporto, no cinema, na política, na televisão. E também há duplas de insucesso. O exemplo mais flagrante é o de Paulinho Santos e João Vieira Pinto.

Os dois andam sempre de candeias às avessas. Sempre é sempre. Mesmo. Não há uma folga, não há um período sabático, não há tréguas, não há um parêntesis. Quando se encontram, há molho. Picante. Muuuuuuuito picante. Queridos inimigos, isso sim. Se Valentim os visse, estava o caldo entornado.

Idade Moderna, mil quatro e troca o passo. O imperador Cláudio II proíbe o casamento durante as guerras por acreditar que os solteiros são melhores combatentes. O bispo Valentim é do contra e continua a celebrar casamentos. Quando se descobre a marosca, Valentim é preso e condenado à morte. Entre um acto e outro, não só recebe muitas flores e bilhetes de amor de jovens admiradores como se apaixona pela filha cega de um carcereiro – milagrosamente, devolve-lhe a visão. Antes da execução, no dia 14 de Fevereiro, Valentim escreve uma mensagem de adeus e assina "De seu Valentim".

Idade Contemporânea, mil nove e qualquer coisa. O futebol toma conta da sociedade. Os estádios enchem-se de pessoas, as pessoas enchem-se de esperança, a esperança enche-se de futebol. É um carrossel engraçado, entretido até. Ai não é? Então faça lá o exercício de 22 homens atrás de uma bola... Já está? Entretido, hein! Pois, agora retire 20 desses jogadores da equação e escolha dois para fazer um par. Que não romântico, tudo menos isso.

Tchan tchan tchaaaaaaaan, eis Jorge Costa e Weah (FC Porto-Milan em Novembro de 1996, para a Liga dos Campeões). Ou Morais e Pelé (Portugal-Brasil em Julho de 1966, para o Mundial). Ou José Soares e Jardel (Campomaiorense-FC Porto em Fevereiro-2000, para o campeonato). Isto não está a resultar, vamos ver se é agora. Tchan tchan tchaaaaaaaaaan, eis Paulinho Santos e João Vieira Pinto. Ahhhhh bom, agora sim, habemus par.

Os dois embrulham-se vezes sem conta nos clássicos FCP-SLB, mas só vão juntos para a rua numa única ocasião, nas Antas, a 3 Janeiro 1998, numa vitória portista com bis de Artur. O árbitro é o setubalense António Costa, autor de uma exibição circense com a anulação de um golo limpo ao estreante Kandaurov (seria o 1-1). 

Ligeiramente depois, Paulinho Santos e João Vieira Pinto vêem o vermelho directo. É um momento histórico. E maldoso. O portista dá-lhe uma cotovelada (só captada pelas câmaras da TVI quando o jogo é transmitido pela RTP) e o benfiquista responde à letra. Pronto, está o caldo entornado.

Encharcado de paninhos quentes, o Conselho de Justiça dá dois jogos de suspensão a cada. Há uma revolução no ar e o CJ impede Paulinho de jogar enquanto JVP está de molho. De maxilar partido, o capitão do Benfica passa um mês a alimentar-se só de líquidos. Alguém tem a coragem de lhe perguntar se perdoa a Paulinho Santos, ao que JVP responde visivelmente transtornado:

"Outa bez?"

Informamos os mais desatentos: estamos em mil nove e noventa e oito. Quatro anos antes, em Agosto de 1994, saltam as primeiras faíscas entre eles, por ocasião da 1ª mão da Supertaça portuguesa, na Luz. O portista marca o benfiquista em cima, nem o deixa respirar. Às tantas, cabuuuummm, rebenta a bolha. 

Paulinho faz falta e, pobre coitado, embrulha-se com JVP. Parece uma taluda, andam à roda. Um cotovelo aqui, uma mão ali e negócio fechado. JVP, de cabeça quente, atira-se ao 6. Carlos Calheiro mostra-lhe o vermelho directo e é o quinto expulso dessa noite, depois de Secretário (19", vermelho directo), Abel Xavier (35", duplo amarelo), Rui Filipe e Nelo, ambos vermelho directo, aos 81". E em golos, qué bom? Um e um, por Rui Filipe e Vítor Paneira. Começa aqui o desamor entre Paulinho e João.

O segundo capítulo passa-se a 6 de Outubro de 1994, durante o estágio para o Letónia-Portugal, de apuramento para o Euro-96. É o segundo jogo de António Oliveira como seleccionador nacional – na estreia, 2-1 em Belfast. Na capital norte-irlandesa, JVP não conta para o totobola. Por lesão. Na convocatória para a operação Riga, os dois da airada encontram-se e Oliveira quer fazer as pazes à força. "À semelhança da última convocatória, não há caso nenhum nem há nada que não nos leve a pensar que o espírito saudável não venha a manter-se." 

Mais à frente, "é do domínio público que os dois jogadores tiveram um pequeno problema profissional mas eles têm que compreender que são elementos importantes para a operação Letónia e que a selecção não é nem o Benfica nem o FC Porto."

E qual é o plano de Oliveira? Junta-os no mesmo quarto. Isso nem sequer é um problema para Paulinho Santos, já João Vieira Pinto... O menino d"ouro chega à concentração, fala com o seleccionador e alega "falta de respeito". Do outro lado a resposta é dura. "Já ganhámos em Belfast sem ti. Se quiseres fazer parte do grupo, aceitas o meu pedido. Conversem, discutam, mas façam as pazes. Se não quiseres, podes ir-te embora mas ficas a saber que nunca mais cá voltas e que vamos apurar-nos na mesma." 

Vamos a jogo? Siiiiiiiiim. À falta de Couto (suspenso pela FIFA), Paulo Sousa (sem ritmo), Domingos (desinspirado) e Paneira (longe das exibições ao serviço do Benfica), o talento individual de João Vieira Pinto garante a vitória por 3-1 com um bis. Portugal está a caminho do Inglaterra-96.

A vida continua. Ainda Idade Moderna, mil nove e tal, o Porto joga em Trondheim (Noruega) para a Liga dos Campeões. Paulinho é o único de manga curta. É também ele quem se assume como marcador oficial dos penáltis do FCP. Estamos na era Bobby Robson e o treinador inglês faz dele um defesa-esquerdo de categoria internacional, ao ponto de uma noite, em Génova, ter metido no bolso o italiano Lombardo (Sampdoria). Claro que há sempre um senão. Diz Robson: "Tem de se estar sempre em cima dele para não cometer asneiras daquelas desnecessárias, aquelas faltas duríssimas. Quando as faz no treino – e fá-las –, eu grito sempre: Stupid! Stupid, Paulinho."


Conta-me como foi da bola
Efemérides e histórias caricatas do futebol pelo jornalista Rui Miguel Tovar.

Seja como for, em 11 anos de Porto, o homem marca oito golos em 316 jogos e levanta 17 títulos, incluindo uma Taça UEFA, sete campeonatos nacionais, cinco Taças de Portugal e quatro Supertaças Nacionais. Pelo meio, 30 internacionalizações, dois golos e um penálti falhado. E cartões? Bem visto: 55 amarelos e seis vermelhos na 1ª divisão (JVP acumula 104 amarelos e 13 vermelhos). 

A despedida acontece numa tarde quente de Junho-2003, antes do clássico com o Sporting, no Dragão. No meio-campo, há uma concentração pouco usual de pessoas como treinadores (Mourinho e Bölöni) e jornalistas. Às tantas, Paulinho recebe um abraço e ainda uma camisola. De quem? João Vieira Pinto. É ou não é amoroso?

(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)

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