"Two popes". Dois amigos partilham uma pizza
"Two popes". Dois amigos partilham uma pizza
Alerta: se está à espera de um filme de ação pode desde já virar a página. O momento mais animado desta obra é quando os protagonistas se metem num helicóptero com um vasinho com um pé de orégão. E – desculpem-me o spoiler – o helicóptero nem cai nem nada. Ah! Perdoem-me pois quase me esquecia de outro momento bastante animado: há um jogo de futebol e os dois protagonistas divertem-se bastante com os golos da Argentina e da Alemanha. Mas se bem me lembro é tudo no que diz respeito a ação...
Neste filme não se passa rigorosamente nada. E, no entanto, o prazer de o ver é incomparável. "Two Popes", "Dois Papas" em português, está na plataforma de streaming Netflix e quando decidi vê-lo chamei a minha mãe e a minha sobrinha de dez anos para se sentarem comigo no sofá. Elas gostaram, mas eu acho que apreciei ainda mais. Pedi ainda a uma amiga muçulmana para o ver e me dizer o que sentiu. Ela, praticante, também apreciou, sobretudo o debate sobre a necessidade de "reformar e modernizar sem abandonar a santidade". O filme realizador pelo brasileiro Fernando Meirelles é exatamente sobre a mudança e, sobretudo, sobre a tendência para ficarmos colados ao passado, às tradições: se sempre funcionou, por que diabos devemos mudar agora?
O defensor desta tese dentro da Igreja Católica chama-se Joseph Ratzinger, é alemão, e ficou na História sob o nome de Bento XVI mas também por ser o primeiro papa em mais de 500 anos a abdicar. E é esse o momento que nos mostra "Two Popes": Bento XVI recebe o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio que pretende ir para a reforma, mas nem sequer suspeita que o sumo pontífice pretende também deixar a liderança da Igreja.
O encontro entre os dois homens nunca aconteceu, mas as cartas de Bergoglio a solicitar a reforma são reais. O cardeal argentino estava cansado e solicitou a Bento XVI que o libertasse dos seus deveres pastorais. No filme de Fernando Meirelles, Bergoglio vai a Itália para tentar convencer o papa a que o autorize a partir.
O encontro entre os dois homens é fascinante porque tudo os separa. Apesar de ambos manifestarem grande fé e sentido de missão, as suas ideias sobre o futuro da Igreja Católica são bastante distintas. Bento XVI sempre foi conhecido pela sua ortodoxia, enquanto que o cardeal argentino, que agora se chama papa Francisco, tem uma visão mais progressista do rumo que a Igreja deveria seguir.
"Two Popes" é apenas uma longa conversa entre dois homens que debatem teologia, ideologia, sociologia, mas também futebol e questões de saúde, como qualquer par de velhotes que se cruza no café. Um pequeno pormenor distingue esta conversa da que o senhor Costa e o senhor Frederico poderiam ter no Café Central: é que um deles manda nos destinos da Igreja Católica e o outro vai brevemente tomar conta do cargo.
O realizador e o argumentista integraram flahsbacks e imagens de contexto, mas deixam claro que o coração do filme são as conversas entre os dois homens. Mas se este encontro nunca teve lugar, em que se baseou Anthony McCarten, o homem que escreveu os diálogos? Simplesmente em textos públicos ditos ou escritos por Bento XVI e por Francisco. O argumentista defende que as conversas do filme são plausíveis e que a especulação que propõe tem uma enorme dose de verdade. McCarten espera ainda que as conversas sejam "inspiradoras". E aí é que está a força de "Two Popes": o 'mano a mano' entre os dois homens é delicioso de observar e, mesmo que tenhamos a tentação de tomar partido por um deles, o filme consegue transmitir simpatia por ambos.
A isso não é alheio o facto de o realizador ter como atores Jonathan Pryce e Anthony Hopkins. A prestação de ambos é fabulosa e o bónus é que Pryce até é bastante parecido com o papa Francisco. A Academia de Cinema de Hollywood também reparou no brilhante trabalho dos atores, tendo nomeado os dois para os Óscares.
