Thelma e Louise num bordel
Thelma e Louise num bordel
Os portugueses que vão lá abaixo de carro há muitos anos foram obrigados a atravessar localidades espanholas que os levaram à descoberta dos famosos “puticlubs”.
Para um português menos avisado trata-se de uma realidade estranha pois este tipo de negócio não existe em Portugal, nem com o mesmo enquadramento legal, nem com similar impacto económico.
Em 2018, a prostituição organizada em clubes movimentava 10 milhões de euros por dia, o que representa 0,35% do PIB espanhol, ou seja, a mesma contribuição para a economia que a indústria do calçado.
Segundo um estudo de 2017, 39% dos espanhóis terão pago pelo menos uma vez para ter sexo e os habitantes do país de Cervantes gastam três vezes mais em prostituição do que em fruta e e legumes.
Em Espanha haverá cerca de 100 mil prostitutas; três vezes mais do que dentistas. Apenas 20% serão espanholas e muitas praticarão a prostituição de forma forçada, sendo numerosas as que são vítimas de tráfico de seres humanos.
Há uma cena na série espanhola “Sky Rojo” em que Romeo, o dono de um puticlub, explica as razões que o levaram a abrir o novíssimo “Las Novias”: dinamizar a economia porque, diz, Espanha está no top 3 dos países em que a prostituição mais contribui para a economia.
Apesar disso, Romeo não é um filantropo. Quando negoceia as contas com as suas empregadas, extorques-lhe cada euro gasto, tratando-as como escravas sexuais, no verdadeiro sentido do termo.
Um dia uma discussão corre mal e Coral, Wendy e Gina quase matam Romeo, deixando-o parcialmente paralisado e sedento de vingança.
A premissa central de “Sky Rojo”, e a base de todo o enredo, é a violência contra as mulheres, tanto sexual como física e psíquica. Esse é o aspeto central da série que decorre durante os dias em que as três mulheres fogem dos donos do clube e tentam sobreviver.
“Sky Rojo” está longe de ser uma série feminista. O trauma das mulheres é usado como forma de entretenimento, um pouco ao estilo de Tarantino.
Há momentos em que o trio de mulheres protagonistas vive momentos de alegria (ou de puro alívio por ainda não estarem mortas), mas durante o resto do tempo, tanto elas como as suas colegas do clube, são esmagadas e maltratadas de maneiras variadas e desumanizantes.
Os criadores de “Sky Rojo” prometem na promoção da série dar o poder às mulheres: as três prostitutas ocasionais têm por missão recuperar o controlo das suas vidas após terem suportado um catálogo de horrores. O embate com os seus “caçadores” é uma tentativa desesperada de reescrever as suas histórias, mas a série trai esse propósito.
Presa no olhar masculino, “Sky Rojo” diverte-se com as desventuras das personagens femininas. E embora existam vários homens que sofrem destinos terríveis, o sofrimento feminino é central e está principalmente enraizado na exploração sexual que vai da violação à dominação mais abjeta.
Mas não desista: a série assinada pelo mais profícuo autor deste tipo de obras em Espanha, Álex Pina, tem virtudes.
O ritmo endiabrado e os episódios curtos são perfeitos para se ver “Sky Rojo” de uma vez. E as personagens têm, apesar dos dramas, um elemento humorístico (mais uma vez tarantinesco) e uma narração que incute frases lapidares e divertidas que explicam coisas sobre a prostituição que não encontrará nos livros.
Sente-se no final que, se for dada luz verde para que a série da Netflix continue para além da primeira temporada, Coral, Wendy e Gina irão de alguma forma alcançar a terra prometida. Fica a esperança.
“Sky Rojo” de Jesús Colmenar e Óscar Pedraza (entre outros), com Lali Espósito, Miguel Ángel Silvestre, Verónica Sánchez, Yany Prado, Asier Etxeandia e Enric Auquer.
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