Óscares 2019. O fim do cinema tal como o conhecemos?
Óscares 2019. O fim do cinema tal como o conhecemos?
A corrida aos Óscares 2019 começou com polémica: o filme que muitos críticos – e outros galardões – apontavam como favorito não passou pelas salas de cinema. “Roma” de Alfonso Cuarón é um brilhante filme que relata a história de uma família mexicana no qual o realizador acumula tarefas e poderia ter ganho cinco Óscares para si próprio…
A Academia não quis que o mexicano fosse o grande vencedor da noite tendo repartido os prémios por uma série de candidatos, mais ou menos favoritos, mas “Roma”, com três estatuetas, marcará indelevelmente a História dos prémios mais importantes da indústria cinematográfica. Um filme produzido pela Netflix e feito para ser visto em streaming apareceu entre os finalistas dos Óscares e mereceu os galardões que obteve.
“Roma” e “The Favourite” partiram com dez nomeações cada um e isto já foi uma vitória para dois filmes “anormais”: “Roma” é um “outsider” pelas razões já explicadas e o filme de Yorgos Lanthimos porque oferece uma visão diferente e quase perturbadora de um episódio histórico.
Apesar das dez nomeações, a Academia baralhou as contas dos apostadores e deu o prémio mais importante a “Green Book”. Esta obra assinada por um cineasta capaz de filmes muito maus inverte a fórmula de “Driving Miss Daisy”, e relata uma road trip que conta no elenco com Mahershala Ali (Óscar para o melhor ator secundário) como pianista clássico, e Viggo Mortensen como o seu motorista. Numa viagem pelo sul da América, o que começa como uma relação de conveniência torna-se numa amizade improvável. O sucesso de “Green Book” surgiu depois de conquistar o People's Choice Award no Festival Internacional de Cinema de Toronto e continuou nas bilheteiras de todo o mundo. Agora o filme de Peter Farrelly parte para uma nova vida.
Mas houve também Óscares para “Bohemian Rhapsody”, aquele que é atualmente o maior sucesso de bilheteira em todo o planeta. A história dos Queen, e sobretudo do seu líder Freddie Mercury, conquistou o grande público mas teve mais dificuldades para se impor. Contudo, o brilhante Rami Malek, no papel do vocalista da banda levou para casa o Óscar para o melhor ator.
Glenn Close, que esperava “sem pensar muito nisso”, como declarou na passadeira vermelha, levar o Óscar para a melhor interpretação feminina pelo excelente trabalho em “The Wife”, viu a britânica Olivia Colman arrebatar o prémio pelo papel de rainha Ana em “The Favourite”. Recorde-se que nesta categoria muitos apostavam em Lady Gaga, protagonista de “A Star is Born”.
“The Favourite” é claramente um OVNI, vindo da mente de Yorgos Lanthimos, realizador de “The Lobster” e “The Killing of a Sacred Deer”, filmes que já tinham surpreendido os mais atentos. Desta feita, o realizador grego decidiu fazer um filme de época do século XVIII, reinventando o reinado da rainha Ana. O resultado é uma comédia de humor negro, com Olivia Colman como a monarca, enquanto que Emma Stone e Rachel Weisz fazem o papel de cortesãs que disputam a sua atenção. O filme é brilhante e obsceno, mas afinal as lufadas de ar fresco fazem sempre bem…
A melhor atriz secundária é Regina King pelo seu desempenho em “If Beale Street Could Talk”. A atriz afro-americana tinha pela frente nomes como Amy Adams (“Vice”), Emma Stone e Rachel Weisz (“The Favourite”, além da “outsider” Marina de Tavira (“Roma”).
A estrela que não brilhou
Depois de uma reação arrebatadora no Festival de Veneza, “A Star is Born” - com Lady Gaga e Bradley Cooper - parecia destinado a dominar o certame. Com uma banda sonora carregada de emoções e uma história de amor intemporal, “A Star is Born” é um poderoso filme mas que teve de se consolar com o prémio de Melhor Canção Original pela balada “Shallow”. Lady Gaga não conseguiu assim dar a alegria aos seus fãs de conquistar o Óscar na categoria de melhor atriz, assim como Bradley Cooper não obteve nem o prémio para o ator principal nem para a realização, que Alfonso Cuarón levou consigo.
“BlacKkKlansman” de Spike Lee trazia excelentes críticas do festival de Cannes e uma história original sobre um polícia negro que se infiltra no Ku Klux Klan. Depois de obter o Grand Prix em Cannes o palmarés teve de se contentar com o prémio para o melhor argumento adaptado. “BlacKkKlansman” passa-se em 1970 aos gritos de “America First!” o que colocou o filme no top dos favoritos na categoria de “cinema de intervenção”. O trabalho de Spike Lee não foi reconhecido com um Óscar “nobre”, mas o realizador não foi para casa de mãos a abanar.
Uma das desilusões europeias foi o magnífico “Cold War” de Pawel Pawlikowski. O realizador polaco, extremamente feliz com “Ida” não conseguiu levar consigo nenhum galardão, nem sequer o de melhor filme de língua estrangeira que ficou nas mãos de Cuarón.
Mudança de paradigma?
O mexicano Alfonso Cuarón chegou aliás à cerimónia em Hollywood com vários prémios no bolso, entre os quais o Leão de Ouro de Veneza. O filme “Roma” é uma carta de amor para a Cidade do México da sua juventude, vista através dos olhos de uma jovem mulher e da família para a qual trabalha. O filme capta a turbulência política dos anos 70 a preto e branco, e reflete sobretudo o trabalho de Cuarón que realizou, escreveu, filmou e quase tudo fez neste belo projeto. No centro da história de “Roma” está Yalitza Aparicio, que se estreia no papel da empregada Cleo, cuja vida pessoal se está a desmantelar lentamente.
Esta obra é uma sequência de episódios que vão revelando como os acontecimentos afetam as personagens, com destaque para a empregada. O realizador aproveita para contar indiretamente a história do México, sendo a cena mais flagrante a reconstrução do massacre de 1971 na qual um grupo paramilitar e as autoridades abateram estudantes que se manifestavam contra o regime.
A caraterística mais polémica de “Roma” não é sequer o seu conteúdo marcadamente social e político mas o facto de ser uma produção Netflix. O festival de Cannes tem-se insurgido contra as obras que não passam nas salas de cinema, chegando a impedir a sua participação na competição. O Leão de Ouro em Veneza somado ao Óscares que “Roma” leva para casa marcam uma viragem clara na abordagem daquilo que é o cinema tradicional. Hoje já se consome mais cinema em linha do que nas salas. Se me perguntarem se é uma coisa boa eu acho simplesmente que “é pena”, mas os anos que se seguem vão certamente definir o que é cinema e onde o vamos ver.
Portugal nos Óscares
O filme norte-americano “Free Solo” que obteve o Óscar de Melhor Documentário conta na ficha técnica com dois nomes portugueses: Joana Niza Braga e Nuno Bento, da equipa de som.
Joana Niza Braga e Nuno Bento, ambos de 27 anos, são, respetivamente, ‘foley mixer’ e ‘foley artist’ do documentário da National Geographic, no qual os realizadores Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi acompanham o alpinista norte-americano Alex Honnold na escalada, sem cordas ou proteções, da parede de granito El Capitan, com 900 metros de altura, situada no Parque de Yosemite, nos Estados Unidos.
O trabalho de Joana Niza Braga e de Nuno Bento foi “todo feito remotamente”, a partir de Lisboa, na pós-produtora de cinema Loudness Films.
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