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Portugal e Luxemburgo unidos por um fio de esperança entre guerras e ditaduras
Cultura 6 min. 13.02.2020 Do nosso arquivo online
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Portugal e Luxemburgo unidos por um fio de esperança entre guerras e ditaduras

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Portugal e Luxemburgo unidos por um fio de esperança entre guerras e ditaduras

Foto: COLLECTIONS DE LA COUR GRAND-DUCALE / WW2-CTI-C28-257-1 Foto: DR
Cultura 6 min. 13.02.2020 Do nosso arquivo online
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Portugal e Luxemburgo unidos por um fio de esperança entre guerras e ditaduras

Ana TOMÁS
Ana TOMÁS
De fevereiro a maio, a exposição ’Portugal e Luxemburgo – Países de Esperança em Tempos Difíceis’ mostra como milhares de pessoas procuraram estes destinos para fugir a guerras, perseguições e pobreza.

 A 10 de maio de 1940, 45 mil pessoas abandonam o Luxemburgo para escapar à guerra e à invasão alemã. Entre os fugitivos encontra-se a família Grão-Ducal, o governo luxemburguês no exílio e, sobretudo, muitos judeus que acabam por encontrar asilo temporário em Portugal.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o país passa a ser ponto de passagem para milhares de refugiados que se tentam pôr a salvo das perseguições nazis, responsáveis por milhões de mortos, na sua maioria judeus. Ao longo dos seis anos de conflito e de política de extermínio nazi, a fronteira de Vilar Formoso torna-se a porta de entrada para um “país de esperança”, como refere o título da exposição – 'Portugal e Luxemburgo – Países de Esperança em Tempos Difíceis ('Portugal et Luxembourg – Pays d’espoir en temps de détresse, no original')’, que a Abbaye de Neumünster, na cidade do Luxemburgo, acolhe a partir desta sexta-feira, 14 de fevereiro, e até 10 de maio, altura em que se assinalam os 80 anos da fuga massiva de luxemburgueses.

A entrada em Portugal nesses “tempos difíceis” faz-se pela vila de Vilar Formoso, na fronteira com Espanha, e através da estação ferroviária. No início da guerra, é a própria Gestapo que promove a saída dos judeus para o sudoeste da Europa. Antes das deportações para os campos de concentração do Leste, a polícia política da Alemanha nazi pressiona o Consistório Judaico do Luxemburgo a organizar comboios para transportarem as famílias judias para os países europeus do sul.

Em novembro de 1940, um comboio com 293 judeus do país parte de França – até aí eram transportados de autocarro – com destino a Portugal, mas fica retido 10 dias na fronteira de Vilar Formoso e os refugiados proibidos de entrarem. Na origem desta proibição estará um incidente entre o regime de Salazar e a Gestapo, como conta ao Contacto a historiadora Margarida de Magalhães Ramalho, uma das organizadoras da exposição e co-autora do livro ’O Comboio do Luxemburgo’.

“Este comboio faz parte de uma questão que tem a ver com o facto de o chefe provincial, o gauleiter, que vem para o Luxemburgo com a ideia de que este tem de ser o primeiro país sem judeus e que vai começar a expulsá-los rapidamente. Como isso não é exequível, porque os militares alemães que estão em França não os deixam passar, a Gestapo, a certa altura, acaba por “ajudar” os judeus a organizar transportes para os fazer sair. Sendo Portugal um país neutro, os agentes nazis que acompanham o comboio não podem entrar com armas no país”. Essa circunstância provoca, segundo a especialista, um incidente diplomático que leva à detenção dos oficiais alemães pelas autoridades portuguesas e que faz com que o transporte fique retido quase duas semanas na estação de Vilar Formoso. As pessoas, conta, são obrigadas a permanecer dentro dos vagões sem poderem sair, sem acesso a condições de higiene e comida – as poucas provisões que recebem são fornecidas pelos habitantes da região, que em muitos casos vivem na miséria. Durante esse tempo, “há uma senhora que morre com um ataque cardíaco e que é enterrada em Vilar Formoso. E quando tudo se prepara para que todos sejam encaminhados para o Luso, há uma ordem de Lisboa a mandá-los embora.”


Germaine Goldberg, Rachel Wolf e Ferdinande Altmann-Kleinberg.
Germaine e Ferdinande. Como as primas judias sobreviveram ao Holocausto e se reencontraram no Luxemburgo
A inauguração da exposição ’The Last Swiss Holocaust Survivors’, no Grão-Ducado, voltou a juntar as duas familiares, de 97 e 92 anos. Ao Contacto, recordaram os tempos de horror de guerra e do nazismo.

Nesta exposição, segundo refere Margarida de Magalhães Ramalho, há fotografias de 80 rostos de pessoas que viajaram nesse comboio, cuja história é contada a partir do Luxemburgo, pois em Portugal há pouca documentação sobre o assunto. E o que a História conta é que no regresso do comboio a França, há um novo desentendimento, desta vez entre as autoridades alemãs, e que permite a fuga de alguns desses passageiros. “Os militares alemães que detestam a Gestapo não os deixam passar de volta, então esses passageiros acabam por ficar numa antiga fábrica, transformada numa espécie de campo transitório, em França. Ao fim de alguns meses a pessoa que toma conta desse campo manda-os sair durante a noite. A maior parte procura imediatamente, na França, o lado livre e uma forma de sair para outros lugares, e consegue ir-se embora. Mas há uns que ficam e que tentam viver em França”. No entanto, em 1942 dá-se a ocupação total do território pelos nazis. A investigadora estima que cerca de 50 pessoas que viajaram no comboio retido em Vilar Formoso tenham vindo a morrer em em Auschwitz. Porém, há também casos de pessoas que sobrevivem, escondidas em localidades francesas. Além das que conseguem fugir para outros países, como a Suíça, onde se inclui o caso de Germaine Goldberg, de 97 anos, que viajou no comboio de Vilar Formoso e que depois do regresso a França conseguiu refugiar-se na Suíça, com a mãe.

Germaine Goldberg e outros dois sobreviventes do comboio “amaldiçoado”, Rachel Wolf e Marcel Salomon, assim como muitos dos seus familiares, estarão presentes na abertura da exposição, que contará com a presença de Sua Alteza Real o Grão-Duque Henri, e uma visita guiada especial.

’Portugal e Luxemburgo – Países de Esperança em Tempos Difíceis’ parte do desejo da Associação MemoShoah Luxemburgo de trazer à luz o exemplo de países que acolheram refugiados em situação de grande sofrimento, fugindo da guerra e do nazismo, para Portugal, numa primeira fase, e da miséria e da guerra colonial, num período posterior, como foi o caso do Luxemburgo para muitos cidadãos portugueses que para aqui emigraram a partir dos anos de 1960. Assim, a exposição, que tem o Alto Patrocínio de Suas Altezas Reais o Grão-Duque e Grã-Duquesa e de Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, contará na abertura também com a presença do Embaixador de Portugal no Luxemburgo, António Gamito, acompanhado por Sam Tanson, ministra da Cultura do Luxemburgo, e Angela Ferreira, secretária de Estado Adjunta da Cultura e do Ambiente, e Património Cultural de Portugal.


Como Portugal e o Luxemburgo foram refúgio de milhares em "tempos difíceis"
A exposição 'Portugal e Luxemburgo - Países de Esperança em Tempos Difíceis' é inaugurada esta sexta-feira, com a presença do Grão-Duque Henri e do Embaixador de Portugal. Veja algumas das imagens que serão exibidas.

Produzida com o apoio financeiro da Œuvre Nationale de Secours Grande-Duchesse Charlotte e a Fundação Luxemburguesa para a Memória da Shoah, a exposição é realizada durante a Presidência Luxemburguesa da IHRA (Aliança Internacional para a Memória do Holocausto) e foi organizada com o contributo científico da historiadora Margarida de Magalhães Ramalho e da arquiteta Luísa Pacheco Marques, coordenadoras do Museu Virtual Aristides Sousa Mendes e do museu de “Vilar Formoso – Fronteira da Paz”.

As duas responsáveis fazem questão de lembrar ainda a figura de Aristides de Sousa Mendes, "o homem reconhecido que mais gente salvou durante a Segunda Guerra Mundial”, segundo aponta a historiadora Margarida de Magalhães Ramalho. “Pelas referências que obtivemos para o Museu de Vilar Formoso, aproximamos, com certo rigor, entre 10 mil a 15 mil vistos”, passados pelo antigo Cônsul de Bordéus, completa Luísa Pacheco Marques. 

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