O rancho que levou o São João para Esch
O rancho que levou o São João para Esch
Em 1979, um grupo de portugueses decidiu fundar um rancho em Esch-sur-Alzette. Eram emigrantes de vários cantos de Portugal, sobretudo do Norte e Centro. Vinham do Minho, de Trás-os-Montes e Alto Douro, Mortágua, Coimbra, Fátima e Soure. "O Minho era a principal província, porque é a capital do folclore, mas o centro do país também tem folclore magnífico. Por isso é que se escolheu o nome ‘Províncias de Portugal’, porque abrange as províncias todas, incluindo a Madeira e os Açores", explicou Manuel Cavaleiro, presidente do rancho.
Mais de 40 anos depois, o Rancho Folclórico Províncias de Portugal ainda resiste. Alguns dos fundadores já faleceram. "Os principais eram o Vítor Melo, que residiu muitos anos em Esch e foi um comerciante, e os três primeiros padres da Missão Católica Portuguesa que vieram para o Luxemburgo nos anos 70", recordou o dirigente. Cavaleiro foi também um dos fundadores. Convidaram-no porque ele tinha dançado num rancho em Mortágua, ‘Os camponeses do Freixo’, quando tinha "20 e poucos anos". Começou como vogal, foi secretário durante sete anos e depois passou a presidente, cargo que ocupa há 36 anos.
Manuel nasceu em Bragança, mas emigrou para o Luxemburgo em 1971. "Porque naquela altura os portugueses procuravam ganhar mais alguma coisa e construir uma casa. Eu vim como todos os outros", contou. Conheceu a mulher no Grão-Ducado. Ela é de Mortágua, então acabou por "emigrar" de volta para Portugal. Fez lá o serviço militar e foi GNR. Depois regressou a Esch em 1979. Foi pedreiro e trabalhou na agricultura. Hoje, aos 70 anos, está reformado e tem três filhos: a Cristina, 48 anos, que também participa no rancho, o Bruno, 45, conselheiro comunal de Esch, e o Márcio, 40, professor de enfermagem.
Ao longo destes anos, o rancho tem tido várias atividades. "Já fizemos tudo no Luxemburgo. Fomos os primeiros a iniciar os festivais internacionais de folclore. Fizemos oito. Em Esch, em Ettelbruck, em Walferdange, em Schifflange. Quando os outros ranchos começaram a organizar festivais, nós paramos", disse Manuel. Em 1993, começaram a organizar as marchas de São João em Esch. "Tinha um amigo do Porto que me convidou para fazer as marchas. Ele tentou organizar, mas sozinho não conseguia, então pediu-me ajuda. Nesse ano havia 12 ranchos. O cortejo nunca mais acabava. No ano seguinte organizamos as marchas com seis ou sete ranchos. Foi assim que começou".
Passados uns anos, outros ranchos começaram também a organizar as marchas, o que é frustrante para o dirigente. "Acho que para o ano vou parar com as marchas, porque já toda a gente faz aquilo que nós começamos a fazer. Quando todos já sabem aquilo que é bom, fazem como nós. Eu dei as ideias. O São João é só um. Façam do Santo António ou do São Pedro", apelou. Em Esch, as marchas são só as do rancho Províncias de Portugal, que no último fim de semana celebraram a 28.ª edição, com uma grande festa no regresso após dois anos de paragem devido à pandemia.
Festa rija
Milhares de pessoas encheram as ruas de Esch e a Praça da Comuna durante o fim de semana, para festejar o São João. Além do tradicional cortejo das marchas no sábado, com a participação de cinco ranchos portugueses do Luxemburgo, houve ainda atuações de grupos musicais e um concerto do artista convidado deste ano, José Malhoa, no domingo. Como não podia faltar, voltou a sentir-se o cheiro da sardinha assada. Nada mais, nada menos do que 400 quilos desta iguaria sanjoanina. Foi, claro, o prato mais servido durante o evento.
A ajudar na "cozinha" do certame estava Jaime Martins, 58 anos, o vice-presidente do rancho Províncias de Portugal. Apesar do cargo, ali está a “trabalhar como os outros”, garante. "Aqui não há chefes. Todos trabalham para o mesmo". A sua especialidade são os frangos. Há muitos anos que se encarrega de os virar no churrasco. Só no sábado já tinham saído 150, mas o objetivo era chegar aos 300 nos dois dias. Além da sardinha e dos frangos, havia o porco no espeto, as bifanas à moda do Porto, as tiras de porco, as salsichas e costeletas. Para todos os gostos.
Jaime já faz parte da direção do rancho "há uns 15 anos". O filho toca acordeão e juntou-se ao grupo muito cedo. "Eu ia acompanhar, levava-o aos ensaios. Depois ele saiu para ir para a universidade e eu fiquei. Gosto de contribuir, ajudar e integrei-me", recordou o português, que é da Bairrada, a terra do leitão. Veio para o Luxemburgo há 31 anos, para trabalhar na construção e juntar para construir uma casa. “Depois os filhos crescem e acabamos por ficar. Agora estou cá reformado”.
Ao seu lado, Fátima Silva, 57 anos, vai ajudando a servir as bifanas e as sandes de porco. Emigrou de Castro Daire e vive em Esch há 33 anos. Está ali todos os anos por causa da filha, que dança no rancho. "Ela dança muito bem, é das melhores dançarinas que há", garantiu. Fátima também gosta muito de dançar. Quando era mais nova também dançava no rancho, mas agora vai só ajudando "no que é preciso". O São João, diz ela, "é fixe", mas também "dá muito trabalho".
Uma parte desse trabalho é feita por Pedro Gomes, 35 anos, ensaiador do rancho e das marchas. "É complicado, há muito stress. Tanto na parte da dança, como na parte da organização. Este ano não tivemos muito tempo para preparar a marcha, por causa da pandemia. Estivemos muito tempo parados", explicou. Ele é de Braga e está no Luxemburgo há 32 anos, grande parte dos quais a participar no rancho. "Comecei aos 15 ou 16 anos. Desde aí andei sempre no rancho. Eu, a minha esposa e os meus filhos, a minha tia e o meu pai". Escolheram-no como ensaiador porque gostavam da sua maneira de trabalhar. O regresso das marchas correu bem, porque "estão a entrar novos membros", revelou.
Entre as dançarinas das marchas, estava a filha do presidente do rancho, Cristina Cavaleiro, que praticamente cresceu a fazer aquilo. "Isto já são muitos anos. Quase tantos como os que o rancho tem de existência. Sou dançarina e ajudo na comissão de festas", afirmou. Este ano, a preparação das marchas estava um pouco "ferrugenta", mas depois de arrancar "ninguém para as Províncias", cantaram os participantes do rancho, antes do cortejo. A festa foi rija. "É um fim de semana sem parar. Há muitos que nem vão à cama. São 48 horas sem parar". Agora só para o ano.
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