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O fim dos restaurantes de luxo
Opinião Cultura 3 min. 31.01.2023
Gastronomia

O fim dos restaurantes de luxo

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O fim dos restaurantes de luxo

Foto: Unsplash / Aarón Blanco Tejedor
Opinião Cultura 3 min. 31.01.2023
Gastronomia

O fim dos restaurantes de luxo

Hugo GUEDES
Hugo GUEDES
Claro que a comida é requintada e existe sempre o sainete do status, mas a atracção de frequentar restaurantes de luxo repousa em grande parte na ideia de sustentabilidade – tanto ecológica como social.

Os tempos andam difíceis para a alta cultura. A pandemia arrasou com orquestras sinfónicas, teatros, óperas, museus, cinemas, mas mesmo antes daquela, os números de público já estavam em baixa contínua. Ninguém lê os autores que ganham os Nobel da Literatura, e ser poeta há muito não é uma opção de carreira.

Mas há uma excepção notável: a restauração de luxo. A moda atacou em força por volta do ano 2005, ajudada por programas de TV como “Não aceitamos reservas”, de Anthony Bourdain, “Hell’s Kitchen”, de Gordon Ramsay, e “Top Chef”. Top chefs que são hoje mais do que celebridades: transformaram-se em referências culturais por direito próprio. E os restaurantes mais caros, os que aparecem nas listas de “melhores do mundo”, passaram a estar na primeira linha dos sítios a visitar durante uma viagem. É como se a energia, o tempo e o prazer que antes os humanos dedicavam à criação e apreciação da Arte, em todas as suas formas, se tenham de repente concentrado em empratar algo colorido ou engoli-lo alguns minutos depois.

Claro que a comida é requintada e existe sempre o sainete do status, mas a atracção de frequentar restaurantes de luxo repousa em grande parte na ideia de sustentabilidade – tanto ecológica como social. Comecemos pela primeira. Certamente que a escolha criteriosa de ingredientes locais e biológicos, fornecidos por agricultores que não usam pesticidas e criadores que dão muito amor ao seu gado, significa que um restaurante caríssimo é uma opção “verde” e respeitadora do planeta?

É como se o prazer que antes os humanos dedicavam à Arte se tenham de repente concentrado em empratar algo colorido.

Nem por sombras, obviamente. Mesmo que o bife não provenha da América do Sul e seja local, continuam a ser precisos 500 litros de água para o produzir, e a vaca continua a enviar metano para a atmosfera. Aliás a globalização é essencial para estes estabelecimentos – não apenas para lhes transportar os ingredientes mais exóticos, mas sobretudo para conseguir clientes, porque a esmagadora maioria não vive ali no bairro e sem os turistas eles não sobreviveriam por muito tempo (nem mesmo aqueles que têm a sorte de existir em locais mais endinheirados, como o Ma Langue Sourit ou o Mosconi, no Luxemburgo). Por falar em dinheiro, falemos na conta: quando pagamos 250 euros por uma refeição para uma pessoa e esse é também a nível global o valor mediano que ganha uma família num mês inteiro, então por definição esta opção nunca será sustentável.

Ok, mas pelo menos essa conta obscena pela minha espuma de bróculo selvagem com redução de rena acaba por beneficiar a comunidade onde o restaurante está inserido, até porque os empregados ali são bem compensados, certo?

Errado. Estão a vir à tona os abusos laborais até aqui considerados “prática comum” neste tipo de indústria. Assédio moral e físico em ambientes onde gritos e insultos são uma constante; mas especialmente preencher a maior parte do staff com estagiários em contratos de curta duração. Trabalhar por horas esquecidas, sob pressão e sem pausa – e sem salário, só pela oportunidade de trabalhar com o chef célebre. Mais em comum com a escravatura que com a sustentabilidade.

Sabemos que a restauração é um ramo de negócio muito complicado, com margens de lucro reduzidas (normalmente entre 3 a 5%); a restauração de luxo tem um modelo de negócio diferente – para pior. Aquele que é talvez o restaurante mais famoso do mundo, o Noma, em Copenhaga, acaba de anunciar que vai fechar para o ano, e isto apesar das listas de espera de seis meses e do preço do menu fixo que já vai nos 500 euros (sem vinho). Se nem aquele que já foi considerado tantas vezes o melhor do mundo e que acaba de receber a sua terceira estrela Michelin consegue encontrar a quadratura do círculo... a mensagem torna-se clara: na alta cozinha acabou-se o que era doce.

(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)

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