"Hollywood". No meu tempo é que era bom?
"Hollywood". No meu tempo é que era bom?
A indústria do cinema foi abalada na última década pelos escândalos #metoo, ou seja, as acusações feitas a alguns nomes de Hollywood de que teriam abusado sexualmente de mulheres ou homens ou que teriam usado a sua posição de poder para obter favores sexuais. Outro acontecimento recente no mundo da Sétima Arte norte-americano foi a ascensão de um movimento para que haja uma maior representatividade das mulheres e de minorias étnicas na criação cinematográfica.
Se o mundo não é ideal no século XXI, pode facilmente imaginar-se como seria há 60 ou 70 anos, e é essa Hollywood que conta a série homónima de Ryan Murphy e Ian Brennan.
A ação da nova série Netflix – estreou dia 1 de maio em todo o mundo – começa no pós-guerra. Estamos em 1948 e atores, atrizes e cineastas novatos fazem tudo para conquistar o estrelato em Hollywood. A busca da fama é apenas comparável à febre do ouro que os Estados Unidos conheceram meio século antes. Apesar das oportunidades serem muitas, não é fácil vingar entre tanta gente talentosa.
"Hollywood" mostra as centenas de candidatos a atores que todos os dias se amontoam à porta dos estúdios na esperança de obter um trabalho de figurante. Passar os portões dos estúdios, nem que seja para fazer parte de uma multidão durante uma filmagem, é o objetivo de muitos dos aspirantes a estrelas de cinema.
O filme acompanha vários jovens talentosos. São homens e mulheres com formações distintas, com origens familiares diferentes, mas também de raças diferentes, num país e numa época em que os homens brancos mandavam em quase tudo.
Um dos jovens brancos, ex-militar, e candidato a ator acaba por encontrar um trabalho muito diferente daquele que esperava: ser prostituto numa estação de serviço. Eu explico. O pitoresco proprietário da bomba de gasolina e oficina de reparações propõe aos seus clientes, mulheres e homens, serviços sexuais em troca de chorudas remunerações.
Aquele que parece ser um trabalho degradante acaba por se transformar num trampolim para a fama, já que entre os clientes da estação de serviço estão os homens mais poderosos de Hollywood.
A série escolhe uma abordagem manifestamente chocante e bastante caricatural. Por isso foi acusada de ser um retrato distorcido da realidade por críticos e espectadores. Contudo, se aceitarmos os excessos e as simplificações, "Hollywood" pode ser visto como uma excelente proposta de entretenimento mas, igualmente, um quase-documentário sobre a Meca do cinema.
É interessantíssima a original escolha dos criadores deste série Netflix que cruzaram personagens de ficção com atores, produtores e outros cineastas que efetivamente existiram. A personagem real mais conhecida é provavelmente Rock Hudson. O ator é brilhantemente interpretado por Jake Picking, mostrando a provável ascensão do ator no mundo do cinema.
A homossexualidade está no centro da série, assim como as questões raciais. Apesar de "Hollywood" denunciar claramente as discriminações de que são alvo as minorias, os argumentistas escolheram – por outro lado – mostrar uma indústria dominada por homens brancos, judeus e homossexuais. Esta pequena "clique" permite-se tudo e mais alguma coisa: de orgias com jovens garbosos a destruir a carreira de um ator menos dócil.
A época de ouro de Hollywood que começa exatamente nesta altura é tudo menos glamorosa. A vida dos negros no cinema é inexistente, as mulheres não contam para quase nada e as decisões são tomadas por um punhado de poderosos capazes de tudo só porque sim.
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