Entre juventude e inconformismo
Entre juventude e inconformismo
Filme de género, fantástico, violento e sangrento, “Titane” nãao estava na lista dos favoritos para levar o prémio máximo deste festival diferente, de regresso ao presencial e quente por várias razões, entre as quais por ter acontecido em julho em vez do mês de maio.
Julia Ducournau, ao receber a Palma de Ouro, disse que o palmarés é monstruoso.
A obra que a francesa assina é extrema, totalmente irreal. Um filme que não foi feito para ser compreendido, mas sentido. É um relato improvável que se focaliza em personagens marginais tocadas pela graça.
Parece que os jurados deste festival estavam possuídos pelo diabo e pelos monstros, escolhendo da lista de filmes que foram vendo na Croisette, os mais inconformistas e fora do estilo dominante.
O Prémio do Júri concedido a “Ha’Berech” do israelita Nadav Lapid e “Memoria” de Thai Apichatpong Weerasethakul são provas contundentes dessa opção do júri presidido por Spike Lee. O primeiro é um ataque contundente contra as políticas de Israel, cuja narrativa é, no mínimo, experimental. O segundo é fiel ao ritmo contemplativo dos filmes do tailandês. “Memoria” não trata da memória dos seres humanos, mas da da Terra, das pedras, da água, das árvores e do vento. O realizador tailandês, já premiado em Cannes com a Palma de Ouro, filma o invisível, a magia do mundo, contando uma história que vai fazer adormecer alguns e fascinar outros.
O Grande Prémio do Júri foi também entregue a duas obras, como se os jurados quisessem congratular toda a gente. O finlandês Juho Kuosmanen filmou em “Hytti n° 6” o encontro entre um finlandês e um russo durante uma viagem de comboio, ao norte do Círculo Polar Ártico. “Ghahreman” do iraniano Asghar Farhadi é o mais convencional dos filmes do topo do palmarés. Trata-se de uma obra simples, mas atual e cheia de humanismo.
O prémio de melhor realização dado a Leos Carax por “Annette” é marcante sobretudo por ser a primeira vez que um musical é recompensado em Cannes. Mas “Annette” combina criatividade artística com excelentes atores, e uma harmonia única.
O argumento do japonês Ryusuke Hamaguchi (que também realizou) e Takamasa Oe, que adaptou um conto de Haruki Murakami em “Drive My Car” é uma criação plástica sofisticada que o júri decidiu premiar. A história asiática, longa de três horas, é um de muitos filmes desta edição do festival sobre o tema da criatividade.
A norueguesa Renate Reinsve foi considerada a melhor atriz pela sua atuação em “Verdens Verste Menneske” de Joachim Trier, enquanto que o americano Caleb Landry Jones foi recompensado pelo desempenho em “Nitram” de Justin Kurzel.
Os vencedores do 74º Festival de Cannes refletem uma renovação de gerações e a aparição de novos nomes num festival por tradição fechado aos “amigos do costume”. A Palma de Ouro de Julia Ducournau para “Titane” recompensa uma realizadora de 37 anos cujas referências cinematográficas são Dario Argento ou David Cronenberg. Os prémios de interpretação entregues a Renate Reinsve e Caleb Landry Jones também celebram uma nova geração de atrizes e atores, com 33 e 31 anos, respetivamente.
Portugal teve nesta 74ª edição do festival uma das mais discretas presenças de sempre. Uma curta metragem na competição oficial - “Noite Turva” de Diogo Salgado -, o último trabalho de Miguel Gomes, “Diários de Otsoga”, na Quinzena dos Realizadores e uma coprodução com a Galiza, “Sycorax”, foram os destaques lusos em Cannes, no festival que quase não acontecia, e que tudo fazia querer que não ia acabar. Mas chegou ao fim e de forma surpreendente.
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