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"Alma Viva". Cinema híbrido de Trás-os-Montes
Opinião Cultura 1 3 min. 05.03.2023
Crítica de cinema

"Alma Viva". Cinema híbrido de Trás-os-Montes

A filha da realizadora, Lua Michel, é uma das protagonistas da história.
Crítica de cinema

"Alma Viva". Cinema híbrido de Trás-os-Montes

A filha da realizadora, Lua Michel, é uma das protagonistas da história.
Foto: DR
Opinião Cultura 1 3 min. 05.03.2023
Crítica de cinema

"Alma Viva". Cinema híbrido de Trás-os-Montes

Raúl REIS
Raúl REIS
O filme evoca os vínculos que os vivos têm com seus mortos e vice-versa, mas é, sobretudo uma ode à vida.

Cristèle Alves Meira nasceu há exatamente 40 anos em França, mais propriamente em Montreuil. Com raízes familiares em Trás-os-Montes, manteve sempre uma forte ligação à família "lá de baixo" mas também à cultura e às tradições da sua região.

A sinceridade que devo aos meus leitores obriga-me a confessar que conheço pessoalmente a cineasta e acredito no seu talento desde que vi uma das suas primeiras obras: "Campo de Víboras". Essa curta metragem já revela a fundamental ligação de Cristèle à sua região natal, assim como a sua veia espiritual.

A realizadora mostrou trazer no sangue todo o sobrenatural que encantava as noites de inverno com as histórias que os mais velhos nos contavam para assustar...

A realizadora mostrou trazer no sangue todo o sobrenatural que encantava as noites de inverno com as histórias que os mais velhos nos contavam para assustar e que surpreende o mais científico dos seres humanos. Como dizem os espanhóis, citando Cervantes ou um ditado galego (não há unanimidade de fonte): "Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay".

Cristèle Alves Meira faz-nos acreditar em tudo, tanto através dos seus filmes como quando com ela conversamos.

A sua primeira longa-metragem chama-se "Alma Viva" e chega ao Luxemburgo a 2 de março, com um currículo brilhante: o filme foi selecionado em competição na Semana da Crítica do festival de Cannes 2022 e foi o representante português nos Óscares 2023.

A ação decorre em Trás-os-Montes. A avó, uma espécie de bruxa da aldeia, assustadora mas amada, morre durante o sono. A neta Salomé, que perde a avó pouco depois de a ter (re)encontrado, vai acolher o seu espírito, que se agarra à neta com todas as forças.

A neta, que parece ter herdado da avó a capacidade de comunicar com os mortos, vai carregar o fardo de saber mais do que os outros e de levar consigo o passado de toda uma família.

Cristèle Alves Meira assumiu, em várias entrevistas, a relação muito íntima com as histórias poderosas e misteriosas que são contadas nas aldeias transmontanas. "Histórias de outro tempo que são a matriz original, a memória arcaica da cultura portuguesa", explica a realizadora, revelando que passou a infância a "ouvir histórias de maldições e a ver as pessoas sussurrarem esses temas, porque existe claramente um tabu em torno da bruxaria".


A realizadora luso-francesa Cristèle Alves Meira e a filha Lua Michel, a protagonista do filme que representa Portugal nos Óscares.
As bruxas de Trás-os-Montes querem chegar a Hollywood
O filme "Alma Viva" que vai representar Portugal nos Óscares de 2023 é uma "homenagem aos emigrantes portugueses", diz Cristèle Alves Meira, a realizadora luso-francesa em entrevista ao Contacto.

O claro objetivo da luso-francesa é trazer essas crenças para o cinema, torná-las visíveis e - de uma certa forma - garantir a transmissão das histórias e tradições, tal como a avó de Salomé se preocupa em legar os seus saberes ancestrais à neta.

"A pequena Salomé acaba por ser acusada pelo povo da vila de ser bruxa por sair do quadro de menina sensata que a sociedade impõe às mulheres", considera Cristèle que, no fundo, conta uma história de emancipação (ou empoderamento, como agora mal se traduz do inglês): Salomé ultrapassa os limites para se emancipar.

E para contar esta história sobrenatural e de mulheres, Cristèle Alves Meira adota, com originalidade, o ponto de vista da criança que vai estabelecer a ponte entre o natural e o sobrenatural.

Cristèle Alves Meira aborda ainda a questão do luto. A película evoca os vínculos que os vivos têm com seus mortos e vice-versa, mas "Alma Viva" é, sobretudo, uma ode à vida.

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A opção pelo fantástico reduz o peso emocional da morte. O falecimento da avó provoca um reencontro agitado da família que permite a criação de novos laços com base em velhas rivalidades e problemas: até o funeral é um, porque a família não se entende ou porque os incêndios podem colocar os vivos em perigo.

"Alma Viva", disse alguém, é um filme híbrido porque tem personagens entre Portugal e França, passeia-se entre o mundo visível e o invisível e entre tradição e modernidade.

Uma última menção para Lua Michel, protagonista e filha da realizadora. Cristèle Alves Meira confessou não estar a pensar nela quando escreveu o argumento, mas que, de repente, a sua filha se revelou como uma escolha óbvia. Uma revelação, em todos os sentidos da palavra. Uma revelação como aquelas que apenas as bruxas sabem interpretar.

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